Publicado em português no livro Comunicação naEra Pós-Moderna, Mônica Rector e Eduardo Neiva, organizadores,Editora Vozes, Petrópolis, 1997, pp. 175-199.


ASPECTOS DA ESTÉTICA DAS TELECOMUNICAÇÕES

Eduardo Kac

Introdução

A partir de meados dos anos setenta, um número crescente de artistasinternacionais vêm trabalhando colaborativamente com meios de telecomunicação.Em suas �obras�, às quais iremos nos referer como �eventos�, imagessão criadas não como o objetivo último ou o produtofinal, como é norma nas artes visuais. Utilizando computadores,video, modems, e outros aparelhos, estes artistas empregam imagens em umcontexto mais amplo, que envolve comunicação bi-direcionale interativa. A imagem é empregada aqui não apenas para sertransmitida por um artista de um ponto ao outro, mas para ativar um dialogovisual multidirecional com outros artistas e participantes em espaçosremotos. Este diálogo visual assume que imagens serão transformadasao longo do processo da mesma forma que o discurso é alterado ­­interrompido, complementado, e reconfigurado ­­ em espontâneasconversas face-a-face. Uma vez concluído um evento artísticode telecomunicações, imagens permanecem não como o�resultado�, mas como documentação do processo de diálogovisual promovido pelos participantes.

Esta experimentação contínua com a imagem expandea noção de pensamento visual, ao basear o processo de comunicaçãona troca e manipulação de materiais visuais. Os eventos criadospor artistas trabalhando com telemática ou telecomunicaçõesgeram um movimento que anima e desestabiliza redes estruturadas com meiosinterativos de relativa acessibilidade, como telefone, fax, computadorespessoais, correio eletrônico (e-mail), e televisão de varreduralenta (SSTV). Mais raramente, rádio, televisão ao vivo, videofones,satélites, e outros meios de comunicação de difícilacesso, também são empregados. Mas identificar os meios empregadosnestes eventos artísticos não é o suficiente. Antes,é preciso nos livrarmos de preconceitos que eliminam estes meiosdo domínio de meios artísticos �legítimos� e investigarmosestes eventos como empreendimentos estéticos igualmente importantes.

Este ensaio faz um levantamento parcial da história deste novocampo da arte e discute eventos artísticos que foram motivados porou especialmente concebidos para meios de telecomunicação.O ensaio busca exibir a passagem, da etapa inicial, quando rádioproveu escritores e artistas com um novo paradigma espaciotemporal, a umsegundo estágio, no qual meios de telecomunicação,incluindo redes de computadores, se tornaram mais acessíveis a indivíduose através dos quais artistas criam eventos, por vezes em escalaglobal, nos quais o processo de comunicação em si mesmo éa obra.

Arte e Telecomunicação

É preciso compreender a dimensão cultural das novas formasde comunicação à medida que elas emergem em obrasde arte inovadoras, cuja fruição e experiência nãose darão sob a forma de mensagens unidirecionais. A complexidadeda cena social contemporânea permeada por meios eletrônicos,na qual o fluxo de informação forma o delicado tecido doreal, força uma reavaliação da estética tradicionale abre novas possibilidades. Em outras palavras, examinar a estéticadas telecomunicações é observar como esta afetou eafeta formas artísticas tradicionais. É também investigaraté que ponto é criado o contexto de uma nova arte atravésda integração do computador e da telecomunicação.O novo material com o qual artistas lidarão cada vez mais deve seridentificado através da interseção entre os novosprocessos eletrônicos de virtualização linguísticae visual trazidos irreversivelmente pelas telecomunicaçõese pelos computadores pessoais (processamento de texto, programas gráficose de animação, fax/modems, satélites, teleconferência,etc) e as forms residuais que resultaram do processo de dematerializaçãodo objeto artístico, de Duchamp à arte conceitual (linguagem,vídeo, displays eletrônicos, técnicas de impressão,happenings, arte correio, etc), até o presente.

Esta nova arte é colaborativa e interativa e abole o estado deunidirecionalidade tradicionalmente característico da literaturae da arte. Seus elementos são comunicação remota viatexto, som, imagem, e, eventualmente, tato virtual baseado em sistemasque estimularão os músculos e a superfície da pelevia feedback. Estes elementos se encontram desde já em estado dedesequlíbrio; eles são ou formam signos que mudam com a agilidadede gestos, como negociações nos olhares por vezes diretosou indiretos entre dois indivíduos, como transfiguraçõesde sentido perpetuamente inconclusíveis. O que é trocadoé transformado, re-transformado, e trocado novamente. Deve-se entenderesta arte em seus próprios termos, isto é, compreendendoseu próprio contexto (a sociedade informacional no crepúsculodo século vinte) e as novas teorias (pós-estruturalismo,teoria do caos, estudos culturais não-eurocêntricos) que informamseu questionamento de noções geralmente normativas como sujeito,objeto, espaço, tempo, cultura e comunicação humana.O forum no qual esta nova arte opera não é materialmenteestável como o espaço pictórico da pintura ou o espaçoeuclidiano da escultura; trata-se do espaço eletrônico virtualda telemática no qual signos flutuam, no qual interatividade destróia noção contemplativa de observador ou connoisseur e a substituipela noção experiencial de participante. A estéticadas telecomunicações demonstra o movimento necessárioda representação pictórica à experiênciacomunicativa.

Duas das mais interessantes formas de comunicação queparecem se afastar do velho modelo �emissor/receptor� proposto por Shannone Weaver1 e reforçado por Jakobson2 são o correio eletrônico(e-mail, via Internet) e a conferência telefônica. O usuáriode e-mail pode enviar uma mensagem e deixá-la à deriva semnecessariamente remetê-la a um específico receptor. Um outrousuário, ou vários outros usuários ao mesmo tempo,pode então acessar esta mensagem, mudá-la, adicionar um comentário,ou incorporar esta mensagem a um contexto mais amplo­­ em um processointerminável. A mensagem fechada, incorporando a identidade do sujeito(emissor), é potencialmente dissolvida e perdida no vórticesignificacional da rede. Se tempo real não é crucial parasistêmas de comunicação assíncronos como e-mail,o mesmo não pode ser dito sobre a conferência telefônica,no qual três ou mais pessoas participam em um processo de troca quenão precisa se limitar à voz.3 Enquanto o modelo linear permiteno máximo que o emissor se transforme em receptor quando os pólossão revertidos, este modêlo multidirecional e interconectadodesmancha as barreiras que costumavam separar emissor e receptor. Estemodêlo configura um espaço sem pólos lineares no qualdiscussão substitui monólogos alternados, um espaçonodal que aponta em várias direções e no qual todossão simultaneamente ( e não alternadamente) emissores e receptores.Outro exemplo recorrente são as videoconferências via Internetnas quais por vezes até dez participantes se encontram simultaneamenteno espaço virtual do computador, de Singapura à Noruega.Não se trata aqui de um espaço pictórico ou volumétrico,mas de um espaço aporético de informação emfluxo, um hiperespaço disseminado que elimina a rigidez topológicado modêlo linear. Este novo espaço compartilha as propriedadesde sistemas não-lineares, tais como os encontrados nos hipermediaou na auto-semelhança estatística dos fractais, em diretaoposição às superfícies lineares ornamentaisda pintura pós-moderna.

Artistas procuram explorar este novo conceito de espaço e buscamintervir criticamente, sugerindo uma redefinição da estruturae do papel da telemática. A tecnologia das comunicaçõesé parte fundamental da nossa experiência cotidiana, da nossapercepção do mundo, e artistas contemporâneos procuramtrabalhar com este material, revelando os aspectos culturais e políticosda imagem eletrônica e seu elo com a realidade. Valôres culturaistambém são relativizados, uma vez que as estruturas que privilegiamuma cultura sobre a outra são questionadas conceitualmente, trazendoà tona diferenças culturais. Artistas também podemrevelar, ao trabalhar com novos meios, o papel destes novos meios na formaçãoou preservação de estruturas estáveis que formam oego, que modelam os processos de comunicação, e que criamrelações sociais (incluindo relações de autoridadee de poder).

De forma análoga, artista e público são tambémconstituídos neste jogo de diferenças. Se o livro impressoreproduzido em massa gerou as noções de autor e de audiênciacomo as conhecemos hoje, associando contrôle sobre a distribuiçãoda informação impressa com contrôle do poder, o jogosignificacional disseminado em redes telemáticas dissolve ambospotencialmente sem restabelecer a aldeia global aural integrada e harmonizadasonhada por McLuhan. Se telecomunições é o que aproximaas pessoas, também é o que as mantém à distância.Se telemática é o que torna informação acessívela todos, a qualquer momento, independente de fronteiras geográficas,também é o que torna certos tipos de dados gerados por certossetores da sociedade em certos formatos acessíveis a determinadosgrupos envolvidos com instituições específicas. Oque aproxima as pessoas também é aquilo que as afasta; oque indaga também é o que afirma certos valôres implícitosna formulação da pergunta. Se não há fim paraeste jogo, este movimento, deve haver ainda assim consciência destecontexto. Mas a consciência, deve-se lembrar, não estáremovida deste movimento, através do qual também éconfigurada.

Ao modelo linear da comunicação, que privilegia o artistacomo codificador de mensagens (pinturas, esculturas, desenhos, textos,fotografias), a telemática opõe um modelo multidirecionalde comunicação, no qual o artista é criador de contextos,facilitador de interações. No primeiro caso, mensagens têmintegridade física e semiológica e são abertas apenasna medida em que permitem diferentes interpretações. No segundocaso, a abertura significacional não é caracterizada pelamera ambivalência semântica. A abertura do segundo caso neutralizasistemas significacionais fechados e provêm o observador (agora transformadoem participante e/ou membro de uma rede) com as mesmas ferramentas e códigosà disposição do artista de modo que o processo significativopossa ser negociado entre ambos. Não se trata de uma simples inversãode pólos, como propôs Enzensberger4, mas uma tentativa dereconhecer e operar no interior de um processo de significaçãoque é dinâmico, desestabilizado, e multivocal, um processode significação que é baseado não na oposiçãoartista/público mas nas diferenças e identidades por elescompartilhadas. Mensagens não são �obras� mas parte de maisamplos processos comunicacionais, e podem ser alteradas, transformadas,e manipuladas virtualmente por qualquer pessoa.

Uma das questões problemáticas é que a dissoluçãoda distinção entre artista e participante elimina a posiçãoprivilegiada do artista como emissor, porque não há maismensagem ou �obra de arte� enquanto tal. Claro está que a maioriados artistas não estão preparados ou motivados a abandonaresta hierarquia porque ela nega a prática da arte como atividadelucrativa bem como a distinção social associada a noçõestais como habilidade manual, artesania, individualidade, gênio artístico,inspiração, e personalidade. O artista, afinal, vêa si mesmo como alguém que deve ser ouvido , que tem algo importantea dizer ou mostrar, a transmitir à sociedade.5 Por outro lado, pode-setambém questionar até que ponto artistas que criam eventosde telecomunicação podem restaurar a mesma hierarquia queeles parecem negar ao se apresentarem como organizadores ou diretores oucriadores dos eventos por eles promovidos ­­ em outras palavras,como a figura central que determina o sentido do trabalho. Ao que parece,enquanto o diretor de televisão trabalha colaborativamente com dezenasou centenas de pessoas sem abrir mão da responsabilidade pelo resultadodo trabalho, o artista (criador-de-contextos) que produz eventos de telecomunicaçõesestabelece uma rede sem controlar o fluxo de signos que por ela atravessa.O artista que trabalha com meios de telecomunicação abremão da responsabilidade pela �obra�, para apresentar o evento comoaquilo que restaura ou tenta restaurar a responsabilidade (no sentido dapalavra usado por Baudrillard) dos meios.6

Devo observar que certos traços de um entusiasmo aparentementeacrítico por esta mudança nas questões e nos processosda arte são identificáveis não apenas neste ensaioe em outros textos meus sobre o tema7, mas também em textos de outroartistas que investigam a estética das comunicações,em sentido amplo, e das telecomunicações e da telemáticaem particular, incluindo Bruce Breland8, Roy Ascott9, Karen O�Rourke10,Eric Gidney11, e Fred Forest.12 Artistas possuem hoje novos instrumentoscom os quais refletem sobre questões da contemporaneidade, comorelativismo cultural, indeterminismo científico, o papel dos meiosde massa na construção da realidade, a economia políticada era da informação, deconstrução literária,e a descentralização do saber. Artistas podem hoje respondera estas questões com os mesmos meios materiais (hardware) e imateriais(software) empregados em outras esferas sociais, em sua aproximaçãoe isolamento. Se muros históricos são derrubados (Berlin,Cortina de Ferro) e pontes virtuais são criadas (espaço telemático,realidade virtual, telepresença), não se pode simplesmenteignorar ou superestimar estes acontecimentos históricos e técnicos.Não será apenas com absoluto entusiasmo por novas ferramentasque o artista irá trabalhar com tecnologias de comunicação,mas também com uma abordagem crítica no que diz respeitoà lógica da intermediação por estes promovida.Isto significa levar em conta que as utopias da comunicaçãoubíquota necessariamente excluem aquelas culturas e paísesque, geralmente por razões políticas e econômicas,não possuem a mesma tecnologia ou tecnologias compatíveise, portanto, não podem participar em qualquer intercâmbioglobal.13

Suponhamos que em um futuro não tão distante o sonho deJaron Lanier de uma comunicação �pós-simbólica�14se torne possível e que o custo por minuto no ciberespaçoseja comparável ao custo normal de uma ligação telefônica.Esta situação hipotética poderia ser uma abordagemviável ao problema de barreiras linguísticas (incluindo problemasda fala), mas não seria diferente de outras formas de segregaçãoeconômica, já que até mesmo seviços básicosde telefonia são cheios de sérios problemas em paísesem desenvolvimento. Por causa destes problemas, e não apesar deles,artistas que trabalham com telecomunicações usam as técnicasde hoje para abordar as questões de hoje. Se a arte das telecomunicaçõesnão irá ignorar as contradições herdadas pelosmeios nela empregados, bem como as contradições presentesem monopólios tecnológicos nas sociedades pós-industriais,ainda assim penso que talvez formas de comunicação mais livrespossam emergir de novas práticas artísticas interativas queconvertam o processo de troca simbólica na natureza últimada arte.

Vozes sem corpo

A investigação do desenvolvimento paralelo dos meios detelecomunicação e de novas formas artísticas ao longodo século vinte revela uma interessante transição:observa-se primeiro o impacto dos novos meios sobre formas mais antigas,como na influência do rádio sobre o teatro. Num segundo momento,é possível detectar usos mais experimentais destes novosmeios. Enfim, artistas de novas gerações passam a dominaros novos meios eletrônicos e exploram seu potencial interativo ecomunicacional. Nesta perspectiva, o rádio foi o primeiro meio eletrônicode comunicação de massa utilizado por artistas.

No fim dos anos 20 a comercialização das ondas eletromagnéticasestava em sua infância. O rádio era um novo meio que capturavaa imaginação dos ouvintes com um espaço acústicocapaz de evocar imagens mentais sem limites no tempo e no espaço.Uma fonte sonora remota e não localizável, disssociada deimagens óticas, o rádio revelou paisagens mentais àsquais o público não estava acostumado, envolvendo-o em umespaço acústico que poderia provir experiências tantoprivadas como coletivas. O rádio foi o primeiro verdadeiro meiode massa, capaz de atingir remotamente milhões de pessoas a um sótempo, ao contrário do cinema, por exemplo, sempre confinado a umaaudiência local.

Em 1928, o cineasta alemão Walter Ruttman (1887-1941) foi convidadopelo Sistema de Teledifusão de Berlin a criar uma obra para o rádio.Ruttman já havia atingido notoriedade por suas animaçõesabstratas, como Opus I, II, III, e IV, que adicionavam movimento àestática pintura através do uso de técnicas cinematográficas,e que viriam antecipar características da animaçãodigital por mais de meio século. Seu documentário experimental�Berlin, Sinfonia de uma Grande Cidade� (1927) também foi aclamadointernacionalmente, e inspirou toda uma geração de cineastasque também criaram �sinfonias fílmicas� sobre modernos espaçosurbanos. Além de sua contribuição ao cinema, seu trabalhoinovador para o rádio colocou no ar a estética da vanguarda,desafiando a padronização imposta por imperativos comerciaisà programação.

No processo de criar a peça, Ruttman obteve acesso a um dos melhoressistemas de gravação da época: o �Triergon�. Empenhadoem expandir as possibilidades do cinema, Ruttman decidiu criar �Fim-de-Semana�,um filme sem imagens. Trata-se de uma narrativa descontínua baseadanas imagens projetadas apenas pelos sons. O artista empregou a banda sonorado filme como teria convencionalmente empregado os frames para registrarimagens. �Fim-de-Semana� dura cerca de quinze minutos e sugere uma atmosferaaural que retrata trabalhadores saindo de centros urbanos e indo em direçãoao campo depois de um dia de trabalho. A princípio sons produzidospor serras, carros, e trens são predominantes; em seguida, ouvimoscom mais frequência pássaros cantando e crianças falando.Como ele já havia feito com �Sinfonia de uma Grande Cidade�, Ruttmaneditou este filme sem imagens de forma experimental: cortando a películae com ela a banda sonora, repetindo certos sons, reorganizando as sequênciase controlando com precisão a duração dos sons. Eleeditou som como se edita filme.

�Fim-de-Semana�, concebida como uma obra de montagem sonora, gravadae transmitida pelo rádio, abriu novos caminhos e antecipou a estéticade movimentos como o da Música Concreta e de compositores como JohnCage e Karlheinz Stockhausen. Ruttman definiu seus filmes abstratos como�música ótica�, e sem hesitação pode-se entãodescrever �Fim-de-Semana� como primeiro �filme acústico� creadopara o rádio.

À medida em que se tornou mais popular, o rádio inspiroue atraiu diferentes profissionais, incluindo artistas, performers, escritores,e membros da vanguarda, tais como os futuristas italianos. Desde o começodo movimento futurista, em 1909, Marinetti e seus companheiros promoverama superação de formas tradicionais e a invençãode novas formas, ao mesmo tempo em que celebraram a militarizaçãotecnológica e a guerra. Marinetti colaborou diretamente com o regimede Mussolini desde 1923. Em 1929 Marinetti se tornou membro da AcademiaItaliana, fundada por Mussolini, e em 1939 ele serviu em uma comissãoorganizada pelo regime fascista para censurar livros �indesejáveis�,incluindo aqueles escritos por autores judeus. Em 1935 ele serviu comovoluntário na guerra da Etiópia, e em 1942 ele novamentepartiu como voluntário para a frente de combate contra a Rússia.

A última proposta futurista de uma nova forma de arte surgiuem 1933, com o �Manifesto Radiofônico�, assinado por Marinetti ePino Masnata, e publicado na �Gazzeta del Popolo,� Torino, 22 de Setembro,bem como em seu próprio periódico �Futurismo�, Roma, 1 deOutubro (embora neste último apenas o nome de Marinetti apareça)15.O manifesto foi escrito dois anos após Masnata haver escrito o librettopara a ópera radiofônica �O Coração de Wanda�.

No manifesto, eles propunham que o rádio seja liberado da tradiçãoliterária e artística e que a arte do rádio comeceonde o teatro e o cinema acabam. Claramente, seu projeto de uma arte desons e silêncios partiu da arte de ruídos de Russolo e, comoeste, eles tentaram expandir o espectro de recursos sonoros que o artistapoderia empregar no rádio. Marinetti e Masnata propuseram a recepção,amplificação, e transfiguração das vibraçõesemitidas por seres vivos e pela matéria inanimada. A esta propostasomaram a mistura de ruídos concretos e abstratos e o �cantar� deobjetos como diamantes e flores. Eles afirmaram que o artista radiofônico(�radiasta�) criaria palavras-em-liberdade (�parole em libertà�),estabelecendo uma transposição fonética da absolutaliberdade tipográfica explorada pelos escritores futuristas na composiçãovisual de seus poemas. Mas mesmo que o artista radiofônico nãolevasse ao ar palavras-em-liberdade, suas transmissões ainda assimdevem ser

no estilo parolibero (derivado de nossas palavras-em-liberdade) quejá circula nos romances de vanguarda e nos jornais; um estilo tipicamenteveloz, audacioso, simultaneista, e sintético.

O rádio futurista poderia empregar palavras isoladas e repetirverbos no infinitivo. Poderia explorar a �música� da gastronomia,da ginástica, do ato sexual, bem como utilizar simultaneamente sons,ruídos, harmonias, acordes, e silêncios para compor gradaçõesde crescendos e diminuendos. Esta nova forma de arte ainda se proporiaa incorporar a interferência entre estações como partedo trabalho, ou criar construções �geométricas� desilêncio. Enfim, o rádio futurista, ao se dirigir àsmassas, poderia eliminar o prestigioso conceito de um público especializado,o qual sempre teve �uma influência deformadora e denigrente�. Nodia 24 de Novembro de 1933, Fortunato Depero e Marinetti fizeram, da RádioMilão, as primeiras transmissões futuristas16.

Em 1941, Marinetti publicou uma antologia de teatro Futurista com umtítulo longo, �O teatro futurista sintético (dinâmico-ilógico-autônomo-simultâneo-visiônico)surpreendente aeroradiotelevisual café-concerto radiophonic (semcriticismo mas com Misurazioni),�17 no qual ele reuniu nove peçasradiofônicas escritas por Masnata e cinco de sua própria autoria.

Ao longo dos anos 30 o rádio se tornou tecnicamente estável,e ouvintes passaram a poder escolher entre várias opçõesde programação. A transmissão de ondas curtas, longase médias de distâncias consideráveis se tornou posssível.Seja como diversão ou propaganda política, o rádiopassou a ser um ponto de convergência doméstica. Ouvir transmissõesradiofônicas se tornou um hábito generalizado nos anos 30,quando o mundo se encontrava às vesperas de outro conflito internacional.

No dia 30 de Outubro de 1938, o programa dominical �O Teatro Mercúriono Ar�, dirigido por Orson Welles, então com vinte e trêsanos, e transmitido pela The Columbia Broadcasting System (CBS) ­­em New Jersey, sempre às 20 horas ­­ apresentaria uma novaadaptação de um texto literário, desta vez para celebrara festa estadunidense do �Halloween�. O escritor Howard Koch adaptou oromance escolhido por Orson Welles, �A Guerra dos Mundos� (1898) de HerbertGeorge Wells (1866-1946), atualizando a estória e transpondo a açãopara uma localidade virtualmente desconhecida mas real, Grovers Mill, emNew Jersey. A escolha foi acidental mas conveniente, já que erapróxima do observatório de Princeton, no qual Koch sediouo Professor Pierson, fictícia autoridade em astronomia. Koch estruturoua estória ­­ aparentemente seguindo uma sugestãode John Houseman, produtor do Teatro Mercúrio ­­ intercalandomúsica e notícias, de forma que parecia que a músicaestava sendo interrompida aqui e alí por causa de estranhos eventose reportagens transmitidas ao vivo.

Na dramática voz de Orson Welles ouvintes acompanharam os tensosmomentos da invasão, desde as explosões ocorridas na superfíciede Marte até a aterrisagem em Grovers Mill de objetos voadores não-identificados.Em seguida, os monstruosos marcianos começaram a usar seu �raiocalorífero� e a projetar seu �raio paralelo� contra todos os objetoscircundantes, queimando pessoas e destruindo carros, casas, e cidades.Apesar dos anúncios durante o programa de que tratava-se de umapeça de ficção, o formato noticioso pegou o públicoouvinte de surpresa. No final, quando professor Pierson lê seu diárioe revela que os marcianos haviam sido derrotados por micro-organismos terrestres­­ já era tarde demais.

Com vozes nervosas, atores e atrizes do Teatro Mercúrio haviamdescrito a aterrisagem das máquinas de guerra dos marcianos, o fogocomeçado pelos raios mortíferos, e o pânico daquelesque testemunharam todo o acontecimento. O público reagiu com angústiae desespero. Não houve mortes, mas várias pessoas ficaramferidas, abortos espontâneos ocorreram, casas foram abandonadas desúbito, engarrafamentos tomaram conta das estradas, e policiaise bombeiros foram mobilizados contra a ameaça invisível.Na cidade de Nova York, muitos residentes abasteceram seus carros e dirijiramna direção oposta de New Jersey. Chamadas telefônicasdo Leste sobrecarregaram as linhas do sudoeste americano e em Newark, NewJersey, centenas de médicos e enfermeiras ligaram para hospitaisoferecendo seus serviços como voluntários. Em Concrete, Washington,um blackout acidental ocorreu exatamente no momento em que, durante a transmissão,os marcianos estavam assumindo controle do sistema de energia do país.No Sul, as pessoas buscaram refúgio nas igrejas locais e em Pensilvâniauma mulher foi salva do suicídio por seu marido, que retornou aolar no tempo exato. Ouvintes irados tentaram processar Welles e CBS, semmaiores consequências. O contrato de Orson Welles não o faziaresponsável por quaisquer consequências que os programas pudessemter, e CBS não foi penalizada severamente já que nãohavia nenhum caso deste tipo que pudesse ter contribuído para quea empresa antecipasse o incidente.

A simulada invasão de Marte de Welles revelou, pela primeiravez, o verdadeiro poder do rádio. Ela exibiu a habilidade únicado rádio de manipular os ritmos da fala e a sonoplastia dos efeitosespeciais para excitar a imaginação dos ouvintes. Ela mostroucomo o nível de estabilidade técnica do meio construiu suacredibilidade, dando um caráter verídico às �notícias�por ele transmitidas. A simulada invasão explorou ritmos únicos,combinado tempo-real (a transmissão durou cerca de uma hora) e tempodramatizado (o professor Pierson nos informa no final de que o evento duroualguns dias). O silêncio entre os cortes (de música para notíciase vice-versa) não era apenas ausência de sons, como numa pausamusical; o silêncio era tratado como o tempo de espera necessáriopara ligar o repórter na cena da aterrisagem ao estúdio.Talvez, o aspecto mais significativo tenha sido o fato de que durante atransmissão o pânico sentido por milhares de ouvintes foiabsolutamente real. A invasão foi um fato que aconteceu no rádio,e este meio já estava tão integrado na vida dos ouvintes,já era tão transparente e inquestionavelmente funcional,que a invasão não foi experenciada como representaçãoou teatralização. A simulada invasão foi �hiperreal�,no sentido que Jean Baudrillard atribui ao termo, uma experiênciana qual signos sem base na realidade são tão reais que setornam mais reais que o real18 Orson Welles tornou explícita a pseudo-transparênciados meios de massa ao revelar os mecanismos através dos quais estestentam ser uma clara janela diante da realidade, ao revelar a forma queestes fingem ignorar seu próprio processo de mediaçãoe a influência que exercem sobre o inconsciente coletivo. Sem dúvida,Welles atraiu a ira de legiladores com propensão à censura.O rádio, bem como os outros meios de comunicação demassa jamais seriam os mesmos após a simulada invasão deMarte.

Imagens Telefônicas

O telefone, o automóvel, o avião e, é claro, orádio, foram para os artistas de vanguarda das primeiras décadasdeste século símbolos da vida moderna, através dosquais a percepção e o alcance da ação humanasao expandidos. Os dadaistats entretanto desviaram do entusiasmo generalizadopelo racionalismo científico, e criticaram o poder destrutivo datecnologia. Em 1920, eles publicaram no �Dada Almanaque� editado em Berlimpor Richard Huelsenbeck a proposta irreverente de que um pintor poderiaencomendar por telefone suas pinturas e tê-las executados por marceneiros.Esta idéia apareceu no almanaque como uma anedota e uma provocação.Não se sabe exatamente se o artista construtivista húngaroLaszlo Moholy-Nagy (1895-1946), que na época vivia em Berlim, leuou ouviu a respeito desta proposta. O que é certo é que oentão futuro membro da Bauhaus considerava que a motivaçãointelectual era tão válida quanto o impulso emotivo no processode criação artístico, e decidiu provar isto. Ele escreveu:

Em 1922, eu encomendei de uma fábrica de sinais por telefonecinco pinturas em porcelana esmaltada. Eu tinha a tabela de cores da fábricana minha frente e esbocei minhas pinturas em papel (quadriculado). Do outrolado da linha telefônica, o supervisor da fábrica tinha omesmo tipo de papel, no qual ele desenhava as formas na posiçãocorreta em que eu ditava. (Era como jogar xadrex por correspondencia) Umadas pinturas foi entregue em três tamanhos diferentes, de forma queeu pudesse estudar a sutileza das diferenças em cores causadas pelaampliação e redução da pintura19.

Com as três pinturas telefônicas descritas acima, o artistalevou suas idéias costrutivistas adiante. Primeiro, ele teve quedeterminar precisamente a posição das formas da pintura noplano, com a trama de quadrados do papel de gráficos servindo deestrutura para os elementos pictóricos. Este processo de pixellagem,de uma certa forma, antecipou os métodos da computer art baseadosna rasterização. Para explicar a composiçãográfica da pintura pelo telefone, Moholy teve que coverter a fisicalidadedo trabalho artístico em uma descrição do objeto,estabelecendo uma relação de equivalência semiótica.Este procedimento antecede as preocupações colocadas pelaarte conceitual da década de 60. Além disto, Moholy transmitiua informação pictórica fazendo com que o processode transmissão fosse parte impressindível da experiênciacomo um todo. A transmissão dramatizou a idéia de que o artistamoderno pode estar subjetivamente distante, removido do trabalho. Estetrabalho também expandiu a noção de que o objet d�artnão precisa ser o resultado da ação direta da mãodo artista. A decisão de Moholy em telefonar à fábricade sinais ­­ a qual tinha a capacidade de dar um acabamento industrialcom precisão científica ­­ em vez de chamar, porexemplo, um artista amador, é claramente intencional. Alémdisto, a reprodução do objeto final em três variaçõesde tamanho destruiu a noção de �trabalho original�, apontandopara as novas formas de arte na era da reprodução mecânica.Em contraste com as pinturas sequenciais de Monet, por exemplo, as trêspinturas telefônicas não formam uma série. Elas sãocópias sem um original. Outro aspecto interessante é quea escala, elemento fundamental de qualquer trabalho de arte, passa a serrelativa e de valor secundário. O trabalho torna-se volatizado,podendo tomar forma em tamanhos diferentes. A escala relativa éuma característica da computer art, onde o trabalho existe no espaçovirtual da tela do monitor, e pode ser corporificada seja numa pequenaimagem impressa ou num mural de proporcões gigantescas.

O processo de produção das pinturas telefônicas,apesar de clarificado pelo artista, são alvo de controvérsia.Lucia, espôsa de Moholy na época, relatou que Moholy encomendouas pinturas em pessoa. No seu relato, ela se lembra de o artista ter ficadotão entusiasmado quando as pinturas chegaram que ele exclamou: �Euaté poderia tê-las feito pelo telefone!�20. O terceiro relatodeste evento, e até onde eu sei só existem estes trêsrelatos, é da segunda esposa do artista, Sibil Moholy-Nagy:

Ele tinha que provar a si mesmo o super-individualismo do conceito construtivista,a existência de valôres visuais objetivos independentes dainspiração do artista e sua específica pintura. Eleditou suas pinturas para o supervisor da fábrica de sinais, usandouma tabela de cores e papel quadriculado para dar as especificaçõesda localização das formas e as exatas nuances de tons. Oscketch transmitido foi executado em três tamanhos diferentes parademostrar, através das modificações das relaçõesde densidade e espaço, a importância da estrutura per si eas variações no seu impacto emocional.

Permanecemos com a questão, geralmente não resolvida peloscomentaristas, de saber se Moholy realmente usou ou não o telefone.Embora aparentemente irrelevante, uma vez que os três trabalhos foramrealmente pintados por um funcionário de uma fábrica de letreirosde acordo com as especificações do artista e entitulados�Quadros Telefônicos� pelo próprio Moholy-Nagy, essa questãonão pode ser totalmente descartada ou respondida. Lucia parece lembrar-sedo evento claramente, mas o depoimento do artista, na ausência deprova contrária, terá que prevalescer. A tendênciaé de se supor que os quadros tenham sido encomendados por telefonepois Moholy era um entusiasta de novas tecnologias em geral e das telecomunicaçõesem particular. No livro �Pintura, Fotografia e Filme� 22 publicado originalmenteem 1925, ele reproduziu duas �fotografias por telégrafo sem fio�e uma sequência de duas imagens que ele descreveu como exemplos de�cinema telegrafado�, ambas criadas pelo Prof. A. Korn. No mesmo livro,Moholy parece concluir o capítulo fazendo uma chamada para o despontarde novas formas de arte a partir da era das telecomunicações:

Os homens continuam matandose uns aos outros, eles ainda nãoentenderam como vivem, porque vivem; políticos não perceberamque a Terra é uma entidade, embora a televisão játenha sido inventada: a �Visão de Longo Alcance� ­­ amanhãpoderemos olhar no coração dos homens, estar em todo lugare ainda assim sós [...] Com o desenvolvimento da foto-telegrafia,o que permite a transmissão instantânea de reproduçõese ilustrações acuradas, até obras filosóficasirão possivelmente utilizar os mesmos meios ­­ embora numplano mais elevado ­­ das revistas americanas de hoje. 23

Nos três �Quadros Telefônicos�, expostos na primeira individualde Moholy-Nagy, em 1924 na galeria Der Sturm em Berlin, encontramos o artistaafirmando o poder conceitual das transferências telefônicas.Esta primeira experiência foi reconhecida pelo Museu de Arte Contemporâneade Chicago como precursora da arte conceitual do anos sessenta na exposiçãode 1 de novembro `a 14 de dezembro de 1969 entitulada �Arte pelo Telefone�.Trinta e seis artistas foram requisitados com um pedido para que dessemou respondessen `a um telefonema do Museu instruindo e explicando aos funcionárioso que seriam suas respectivas contribuições para a exposição.O museu ficou então encarregado da produção e instalaçãodas obras. Um catálogo em forma de LP foi produzido com a gravaçãodas conversas telefônicas entre os artistas e o museu. O diretordo museu, Jan van der Marck, declarou que nenhuma exposiçãocoletiva anterior havia experimentado com as possibilidades estéticasda criação por controle remoto: �O uso do telefone como assistentede criação e seu emprego como elo entre a mente e a mão,nunca havia sido antes testado antes�.24

�Arte por Telefone� nunca pretendeu ser um evento artístico telecomunicativo.Foi uma exposição coletiva de trabalhos produzidos por umprocesso incomum: descrições telefônicas seguidas porimplementações da curadoria. O artista deveria estar, comono caso do Moholy, fisicamente ausente do processo. Marck viu o eventocomo uma expansão do sincretismo entre linguagem, performance eartes plásticas característica daquela década. A ArteConceitual criou as condições para a emergência daarte telecomunicativa enfatizando a cosa mentale que Duchamp havia defendidocontra o resultado puramente visual da pintura retiniana. Marck escreveuque os participantes:

querem afastar-se de uma interpretação da arte como criaçãode objetos preciosos, específicos, artesanais. Eles valorizam maiso processo do que o produto e a experimentação mais que aposse. Eles estão mais preocupados com tempo e local do que comespaço e forma. Eles são fascinados com a objetivaçãodas palavras e a literalização das imagens. Eles rejeitama ilusão, a subjetividade, o formalismo, e a hierarquia de valôresna arte.25

O status pioneiro dessa exposição no desenvolvimento deuma estética das telecomunicações foi contrabalançadopela timidez da resposta de vários artistas ao desafio de fazeruso criativo do telefone. A maioria dos participantes nunca havia trabalhadocom comunicações ou telecomunicações anteriormente,e é interessante observar que a resposta dada por eles `a esta oportunidaderara foi ainda determinada pela noção da obra de arte materializada,de forma tangível, mesmo quando essa matéria não erade substância durável. A maioria dos artistas usou o telefonede forma habitual, dando instruções para a execuçãodos objetos e instalações. Foram poucos os que ousaram transformara experiência comunicativa na obra mesma. As excessões maisnotáveis foram Stan vanDerBeek, Joseph Kosuth, James Lee Byars,and Robert Huot.

A proposta interativa do Robert Huot foi a mais original e talvez amais literal. Ela envolvia potencialmente todos os visitantes do museue tentava promover encontros inesperados empregando o acaso e o anonimato.Foram selecionadas vinte e seis cidades nos Estados Unidos, cada uma começandocom uma letra do alfabeto, e em cada cidade, um homen chamado Arthur. Osobrenome de cada Arthur era o primeiro listado sob a letra inicial dacidade (por exemplo, Arthur Bacon em Baltimore). O museu expôs umalista com as respectivas cidades e nomes, e convidava os visitantes a telefonareme perguntarem por �Art� (em inglês, a palavra �art� é ao mesmotempo arte e o apelido de Arthur). A obra era a inesperada conversa telefônicaentre o visitante e �Art�, e seu desenrolar dependia exclusivamente dosparticipantes. O trabalho apresentado por Huot, define o artista como criadorde um contexto, e não de uma experiência passiva. O trabalhodescarta a representação pictórica, o contrôlesobre a obra, e enfatiza o tempo real e as qualidades interativas do telefone.A obra pretendia gerar encontros remotos entre os participantes, e dessaforma antecipou o trabalho em telecomunicações das duas décadasa seguir.

Telefonia Visual e Além

Com todas as implicações sociais, políticas e culturaisda forma dialógica do telefone, somos compelidos a observar quepouca atenção crítica lhe foi dispensada. Estudossociológicos, sejam históricos, técnicos, ou quantitativos,pouco iluminam os problemas do telefone que são adjacentes `a linguística,à semiótica, à filosofia, e à arte. AvitalRonell contribuiu para o debate com uma chamada filosófica de longadistância sem precedentes e portanto bem vinda. Deixando seu própriodiscurso oscilar entre a fala e a escrita nas conexões e reencaminhamentosde um painel de contrôle metafórico, ela promoveu em seu livro26um novo insight filosófico, uma �conferência telefônica�entre Martin Heidegger, Sigmund Freud, Jacques Derrida, além éclaro, de Alexander Graham Bell. O gesto de Ronell, embora em outro plano,é similar ao dos artistas que desde o final dos anos setenta encontraramno telefone uma incomparável fonte de experimentação.Por que o telefone?

De certa forma ele [o telefone] era o meio mais claro para alcançaro regime de um número variado de certezas metafísicas. Eledesestabiliza a identidade do eu e do outro, sujeito e objeto, e abolea originalidade do local; ele corrói a autoridade do Livro e ameaçaconstantemente a existência da literatura. Não tem certezada própria identidade como objeto, coisa, peça de equipamento,intensidade perlocucionária, ou obra de arte (os primórdiosda telefonia discutem seu lugar como obra de arte); ele se oferece comoinstrumento do alarme destinal, e a força desconectora do telefonepermite-nos estabelecer algo como o superego materno.27

Os primórdios da telefonia argumentam pelos méritos artísticosdo telefone baseados na sua capacidade de transmitir som a longa distância,isto é, baseado na sua semelhança com o que hoje em dia chamamosde rádio. Teria sido possível, Bell e outros pioneiros esperavam,ouvir óperas, notícias, concertos, e teatro pelo telefone.Nas primeiras conferências e performances de Bell, quando ta bi-direcionalidadedo meio era ainda um obstáculo técnico, Watson tocava orgãoe cantava através do telefone para entreter a audiência edemonstrar as possibilidades do novo engenho. Algumas décadas maistarde, se os negócios por telefone multiplicaram transações,também provocaram reações diversas quanto a sua utilizaçãono aconchego do lar. John Brooks nota que H.G.Wells, em seu �ExperimentoAutobiográfico� (1934), reclamou da invasão da privacidadeprovocada pelo telefone. Wells expressou seu desejo por

um telefone de mão única, de forma que quando quiséssemosnotícias poderíamos tê-las, e quando não estivéssemosem condições de receber e digerir notícias, elas nãonos seriam forçadas.29

Wells imaginava uma futura estação de rádio exclusivamentede notícias, cuja criação, como McLuhan observou,resultaria mais tarde, do impacto da televisão sobre o radio. Essencialmente,Wells reagia`a intrusão do alarme destinal a que Ronell se refere,aquela �força desconectora� do telefone tão perturbadoraquanto atraente, tão inquietante quanto interessante. Quando Wellsobserva que o telefone proporciona notícias mesmo quando ele nãoas deseja, ele enfatiza o traço característico do telefone,que é o lançamento do discurso, do discurso puro, na direçãodo outro, em demanda constante por prontidão imediata. Esta demandaocorre no domínio da linguística e é respondida corretamentecom uma pergunta que é ao mesmo tempo uma resposta indecisa: �Sim?�

Talvez o que seja única a respeito da telefonia comum, éque em seu circuito só a palavra falada circula. Como sugeriu RobertHopper30, o telefone enfatiza a linearidade dos sinais através daseparação do som de todos os outros sentidos, e do isolamentodo elemento vocal da comunicação da sua congruêncianatural com a expressão facial e gestual. Separando a audiçãoda sua inter-relação com o visual e o táctil, e ointerlocutor da comunidade discursiva, o telefone abstrai os processosde comunicação e reenforça o fonocentrismo Ocidental31,traduzido hoje por um telefonocentrismo de longo alcance. É no sentidode desestabilizar este fonocentrismo, e consequentemente contribuir paradesfazer hierarquias assim como descentralizar significados, saber, e experiências,que teoristas como Ronell e artistas telecomunicativos, constroem suaschamadas. O que Derrida chama de fonocentrismo pode ser rastreado atéSaussure. Hopper cautelosamente descobre Saussure ligado ao telefone, esustenta seu argumento baseado na evidência de que Saussure viveuem Paris quando a cidade assistiu à explosão da telefonia.Além do mais, ele nos lembra que o telefone foi inventado por umprofessor de comunicação para surdos (Bell) e enfatiza aforte semelhança entre o circuito-da-fala de Saussure e a comunicaçãotelefônica.32 No isolamento vocal quase científico da telefoniae, na presença de locutores ausentes, o discurso revela sua estruturalinear e se oferece para investigação teórica (e artística).

Sendo uma modalidade que exclui tudo que é diferente da imediaçãovocal, o telefone revela sua estrutura metafísica platônica.Porém quando focalizamos as várias particularidades da experiênciatelemática, descobrimos instantaneamente novos insights na estruturatelefônica que contribuem para a possibilidade de desconstruçãoda mesma. Talvez o aspecto mais relevante da nova sintaxe telefônicaseja a recente absorção técnica do elemento gráfico.Hoje, é tecnicamente possível, não apenas falar notelefone, mais ainda escrever (e-mail), imprimir (fax), assim como gravarsom e imagem (secretária eletrônica, videophone). Como vimos,é bem provável que no futuro a fibra ótica nos proporcioneacesso ao tele-ciberspaço. O telefone está se tornando omeio por excelência daquela escrita �expandida e radicalizada� queDerrida observa. No entanto, contrário `as hipóteses quepoderíamos formular, a importância do telefone nas nossasvidas aumenta à medida em que este se torna menos sonoro. Estáclaro que o telefone, lenta mas continuamente, deixa de justificar suaexistência exclusivamente por conta do discurso falado e que as implicaçõesculturais desse novo aspecto da vida contemporânea permanecem porser elaboradas enquanto experiência estética.

Se o artista puder ter um encontro invulgar com a tecnologia por serum expert, consciente das mudanças na percepção sensorial,como apontou McLuhan33, será então o artista aquele que iniciaráa descoberta de novos campos de experiência para além da percepçãoordinária. Hoje, um pequeno número de artistas animados peloespírito genuíno de investigação artísticavoltam suas costas para o mercado de arte e se comprometem com a criaçãode eventos telecomunicativos no não-lugar do espaço das redesde informação.

Começando em 1982, depois das atividades pioneiras em telecomunicaçõesde Bill Barlett, Stan VanDerDeek and Liza Bear, Bruce Breland, Matt Wrbicane outros membros do grupo Dax, baseado em Pittsburgh (o qual agora mantémuma extensão em Spokane, Washington), trabalharam consistentementecom fax e slow-scan TV como meios artísticos. O grupo Dax crioue participou de eventos telecomunicativos nos quais linhas telefônicaseram saturadas com sinais que fluiam em múltiplas direçõeslevando informação gráfica. Essas interaçõesincluiam frequentemente outras disciplinas (dança, músicacomputorizada, etc), atravessavam vários fusos horários,eram dispersas geograficamente, e estabeleceram relaçõesvariadas entre seus participantes. Bruce Breland, diretor do grupo, escreveuque:

O conceito de sistema interativo apagou as antigas fronteiras entrearte regionalista e nacionalista. A telemática criou a possibilidadede um novo cenário de participação interativa entreindivíduos e grupos. A telemática oferece os meios para adisseminação imediata e instântanea de informaçãodando ao indivíduo a escolha entre a simples recuperaçãode dados ou a complexa colaboração em eventos artísticos.34

Uma das primeiras atividades do grupo foi a participaçãono � O Mundo em 24 horas� (1982), uma rede global organizada por RobertAdrian para Ars Electronica, na Áustria, a qual ligava dezeseiscidades em três continentes por um dia e uma noite. Três anosmais tarde eles estenderam a noção de interaçãomundial com o �Ultimate Contact�, uma peça de slow-scan TV criadaatravés de rádio FM em colaboração com a naveespacial Challenger em órbita ao redor da Terra. O grupo Dax participouainda de redes mais abrangentes realizadas em reconhecidas instituiçõesde arte, tais como a 42 Bienal de Veneza (1986), na qual participaram delaboratório de telecomunicações �Ubiqua�. Nessa ocasião,eles participaram com texto (IP Sharp), slow-scan TV, e fax. Recentementeeles foram os primeiros a colaborar com artistas africanos num evento telecomunicativo.Em julho de 1990, o grupo criou �Dax Dakar d�Accord�, um intercâmbioem slow-scan TV entre artistas em Pittsburgh e Dakar, no Senegal, comoparte da quinta comemoração senegalesa da diásporaafricana ­­ �Goree-Almadies Memorial�35. Participantes de Dakarincluíam Breland, Wrbican, Bruce Taylor, Mor Gueye (pinturas devidro), Serigne Saliou Mbacke, De C.A.S.A. (pinturas de areia), Les Ambassadeurs(dança e música), Le Ballet Unité Africaine (dançae música), e a performance de Fanta Mbacke Kouyate �Goree Song�,uma referência `a ilha Goree no porto de Dakar, local de concentração,embarque e comércio de escravos por um período de mais dequatrocentos anos.

No Brasil, ou melhor dizendo, dentro e fora do Brasil, artistas comoMario Ramiro, Gilberto Prado (membro do grupo francês Art Reseaux),Paulo Bruscky, e Carlos Fadon vêm trabalhando com telecomunicaçõesdesde o começo da década de 80. Os eventos criados por essesartistas, alguns dos quais colaboram ocasionalmente, incluem intercâmbiosem escala national e internacional. Mario Ramiro, atualmente radicado naAlemanha, é também escultor trabalhando com gravidade zeroe radiação infra-vermelha. Ele iniciou e participou de várioseventos de telecomunicação via fax, slow-scan TV, videotext,transmissão de TV ao vivo, e rádio. Também tem escritoextensivamente sobre o assunto. Paulo Bruscky, de Recife, é conhecidopor seus trabalhos com xerografia e mail art (arte correio). Ele éum dos poucos artistas brasileiros que receberam uma bolsa da FundaçãoGuggenheim, de Nova York. Seus primeiros trabalhos em telecomunicaçõesenvolveram telex e fax. Carlos Fadon, que viveu em Chicago e estáde volta em São Paulo, é fotógrafo, faz arte por computador,e tem seu trabalho em vários acervos internacionais. Um de seuseventos de slow-scan TV mais originais36 é �Natureza Morta ao Vivo�,no qual um artista (A) manda uma imagem para um artista (B), e a imagemrecebida é usada como fundo para a criação de umanatureza morta. O artista (B) coloca objetos na frente da imagem eletrônicae a combinação dos objetos com a imagem é registradaem video que por sua vez é devolvido ao artista (A). Esse agorareutiliza a nova imagem como fundo para uma outra composiçãocom novos objetos que são devolvidos ao artista (B). O processose repete ad infinitum, e a criação da natureza morta permanece�em andamento� permitindo a criação de um diálogovisual.

Em Paris, na França, o grupo Art Reseaux formado por Karen O�Rourke,Gilberto Prado (agora de volta a Campinas, São Paulo), e ChristopheLe François, entre outros, vem desenvolvendo projetos elaboradostais como �Retratos da Cidade�37 de O�Rourke, o qual pede aos participantesem uma rede global, que viagem por cidades imaginárias atravésda troca de imagens por fax. O projeto normalmente envolve a criaçãoinicial de um par de imagens, a entrada e a saída, que sãoentão apropriadas por outros artistas como os extremos da rota aser explorada na metamorfose de imagens trocadas através da linhatelefônica. Artistas criam entradas e saídas usando imagensdas cidades onde vivem através da manipulação de outrasimagens para produzir paisagens sintéticas, ou ainda mixturandoaspectos diretos e experiências imaginárias de ambientes urbanos.Gilberto Prado vem trabalhando no projeto �Connect�, o qual envolve pelomenos dois locais e duas máquinas de fax em cada local. Épedido aos artistas de cada local que não cortem o rolo de papeltérmico quando as imagens começam a aparecer na máquinade fax. Ao contrário, lhes é pedido que reutilizem esse papelimpresso para alimentar a outra máquina de fax e que interfiramnas imagens durante o processo. Uma cadeia é então formada,ligando não só os artistas mas também as máquinas.Essa nova configuração forma um círculo no espaçoeletrônico unindo cidades tão distantes quanto Paris e Chicagonuma topologia imaginária. Como exemplo de possíveis sistemasde interação para além de modelos lineares, Pradodesenhou um diagrama circular no qual as mãos (e não as bocasou as orelhas dos interlocutores) são os orgãos usados paracomunicação.

O projeto mais recente de Le François é �Infest�, no qualartistas são convidados a investigar esteticamente aquele novo aspectoda vida contemporânea que é a deteriorizaçãode imagens e documentos em razão da contaminação einfecção causados por vírus de computador. Duranteo intercâmbio as imagens sofrem manipulações que tentamdestruí-las e reconstruí-las (infecção/desinfecção),apontando para a nova condição de deterioraçãoeletrônica e epidemiologia digital.

Enquanto as metáforas da existência humana continuam seconfundindo com aquelas da existência cibernética, designersaprendem a lidar com problemas de interface eletrônico e artistascomparam a comunicação de longa distância com interaçõescara a cara. Reconhecendo a importância da telefonia na arte, KarenO�Routke refletiu sobre a natureza das trocas por fax enquanto práticaartística:

Muitos de nós hoje, tomamos como ponto de partida de nossas imagens,não a pintura (ou mesmo a fotografia), mas o próprio telefone.Nós o usamos não apenas para mandar imagens mas tambémpara recebê-las. Esse feedback quase instantâneo transformaa natureza da messagem que mandamos, tanto quanto a presença deespectadores afeta o modo pelo qual atores interpretam seus papéise músicos suas partituras.38

Tradicionalmente, assim como na relação signo/idéia,a representação (pintura, escultura) existe na ausência(o signo é aquilo que evoca o objeto na sua ausência). Damesma forma, a experiência (happening, performance) é aquiloque existe enquanto presença. Só experimentamos algo quandoeste algo está presente no campo da percepção. Naarte telecomunicativa, presença e ausência engajam numa ligaçãode longa distância que perturba os pólos de representaçãoe experiência. O telefone é deslocamento constante. Ele élogocêntrico porém seu espaço fonético, agoracongruente com sistemas de inscrições (fax, e-mail, etc),significa uma ausência mais tipicamente associada com a escrita (ausênciado autor, ausência do leitor, ausência do que envia, ausênciado que recebe). O telefone desloca momentâneamente presençae ausência para imediatizar a experiência não como presençapura, mas, como escreveu Derrida, como �cadeias de marcas diferenciadas�.39

Conclusão

A nova estética esboçada nas páginas que precedemcertamente escapa `a rúbrica problemática das Belas Artes.Os papéis dos artistas e expectadores tornam-se entrelaçados,a exposição qua forum onde objetos físicos engajama percepção do expectador perde sua posiçãocentral. A noção mesma de significado e representaçãonas artes visuais ­­ associada `a presença do artista ede convenções semio-linguísticas estáveis ­­é revista e neutralizada pela estrutura experiencial das comunicações.Tendo se desenvolvido a partir das primeiras experiências exercidaspor artistas associados ao movimento da arte conceitual, onde linguageme media foram inicialmente investigados programaticamente, a arte telecomunicativaproporciona um novo contexto para o debate pós-moderno.

Nossas noções tradicionais sobre trocas simbólicasforam relativizadas pelas novas tecnologias, da secretária eletrônicaao telefone celular, das ATMs aos computadores que respondem à vozhumana, de sistemas de video para vigilância aos satélites,do rádio ao modem sem fio, da rede de televisão àInternet, da telegrafia `a comunicação livre no espaço.Nada nesses promotores de relações sociais permite ou o otimismoou o desespero; eles requerem que nos desprendamos do conceito de comunicaçãocomo transmissão de uma mensagem, como expressão de uma consciência,como correspondente de um significado definido.

O uso experimental das telecomunicações por artistas apontapara um novo conjunto de problemas culturais assim como uma nova experiênciaestética. Como descrever por exemplo, o encontro agora possívelentre duas ou mais pessoas no espaço da imagem de uma ligaçãovia videofone ou videoconferência? Se duas pessoas podem falar aomesmo tempo no telefone, se suas vozes podem se encontrar e sobrepor, oque deveremos dizer da nova experiência de tele-encontro no espaçorecíproco da imagem? Qual é o destino de todos os modelosde telecomunicação40 que não consideram o entrelaçadotecido multidirecional das redes planetárias? Depois da arte minimalistae da arte conceitual, é suficiente o retorno aos elementos decorativosda paródia e do pastiche na pintura? E o que dizer da crescentehibridização dos meios eletrônicos, que hoje comprimemo máximo de capacidade de informação e processamentoem um espaço mínimo? Como vamos lidar com a nova hipermediaque une num mesmo aparelho ­­ telefone, televisão, secretáriaeletrônica, video disk, gravador, computador, fax, e-mail, videofone,processador de palavras, e muito mais? Como pode existir positivamenteum receptor ou transmisor se é somente no ato de conexão,somente no cruzamento das trocas telefônicas, que tais posiçõesse auto constituem temporariamente? Artistas contemporâneos devemousar trabalhar com os meios materiais e imateriais do nosso tempo e abordara influência penetrante das novas tecnologias em todos os aspectosdas nossas vidas, mesmo que isso signifique que estes artistas interajamà distância e permaneçam invisíveis, ao largodo mercado de arte com suas feiras, descontos, e vendas no atacado e avarejo. Derrida41, agora de forma conclusiva:

Nunca vemos uma arte nova, pensamos que a vemos; mas uma �arte nova�como se diz negligentemente, pode ser reconhecida pelo fato de nãoser reconhecível, podemos dizer que ela não pode ser vistaporque não dispomos não só do discurso pronto queorganiza a experiência dessa mesma arte e trabalha até nonosso aparato ótico, nossa visão mais elementar. Ainda assim,se esta �nova arte� surgir, é porque no vago terreno do implícito,alguma coisa já se encontra envolvida ­­ e se desenvolvendo.

NOTAS

1 - Claude E. Shannon and Warren Weaver, The Mathematical Theory ofCommunication (Urbana: The University of Illinois Press, 1949).

2 - Roman Jakobson, �Linguistics and York: MIT Press, 1960), ThomasSebeok, org., pp. 353-356.

3 - Dois exemplos baseados em experiência pessoal: a) Em 1989,Carlos Fadon e eu (Chicago), Bruce Breland and Matt Wrbican (Pittsburgh)and Dana Moser (Boston) colaboramos em �Três Cidades�, um intercâmbioslow-scan operado através de three-way calling; b) Em 1990, Fadone eu sugerimos `a Bruce Breland a criação de um evento comunicativointernacional a ser chamado �Impromptu�, no qual artistas engajariam emconversações através da telemedia (fax, SSTV, etc)da mesma forma improvisada mantida em conversações cara acara. A celebração do �Earth Day� estava próxima eBruce sugeriu que expandíssemos a idéia para abranger o contextoecológico tornando-o �Earth Day Impromptu�. Fadon e eu concordamose começamos a trabalhar na organização com o grupoDax, e Irene Fainguenboim. Mais tarde, a experiência de Bruce comgrandes networks provou ser crucial: trabalhando com outros membros dogrupo Dax, ele tornou possível uma grande conferência SSTVcom vários artistas em países diferentes, que foi, juntamentecom as redes de fax e videofone, parte do �Earth Day Impromptu�.

4 - Hans Magnus Enzensberger, �Constituents of a Theory of the Media�,Video Culture (New York: Visual Studies Workshop Press, 1986), John Hanhardt,ed., p. 104.

5 - Em �Artists� use of interactive telephone-based communication systemsfrom 1977-1984� [�Uso por artistas de sistemas interativos de comunicaçãobaseados no telefone entre 1977 e 1984�] (tese de mestrado não publicadasubmetida ao City Art Institute, Sidney College of Advanced Education)1986, p. 18, Eric Gidney faz um balanço dos eventos telecomunicativosdo pioneiro Bill Bartlett assim como do seu desapontamento com a respostade outros artistas: �Bartlett ficou desanimado com a rapacidade (avidez,ganância) de muitos artistas norte americanos, os quais sóse interessavam em colaborar enquanto o evento promovia suas própriascarreiras. Ele descobriu que muitos artistas simplesmente recusavam-sea manter correnpondência após o término do projeto.Ficou desapontado, sentiu-se explorado e exaurido mental e fisicamente.Invadido por sérias dúvidas, decidiu retirar-se por completode todo envolvimento com trabalhos comunicativos. Gidney tambémnos faz um resumo do trabalho telecomunicativo da artista pioneira LizaBear, que declara (p.21): �A estrutura hierárquica é conceitualmenteinadequada e não cria o melhor ambiente para a comunicaçãoentre artistas. Esse [meio] só é bem sucedido em regiõesonde artistas e pessoal de video já tenham um boa experiênciade trabalho em conjunto, compartilhando idéias, e preparando material.�

6 - Jean Baudrillard, �Requien for the Media,� Video Culture (New York:Visual Studies Workshop Press, 1986), John Hanhardt, ed., p. 129. Baudrillardformula o problema da falta de resposta (ou irresponsabilidade) da mediacom clareza: �A totalidade da arquitetura da media existente se fundamentanesta última definição: elas são o que sempreimpede uma resposta, tornando impossíveis todas as formas de troca(exceto nas várias formas de respostas simuladas, elas própriasintegradas no processo de transmissão, e portanto deixando intactaa natureza unilateral da comunicação). Esta é a verdadeiraabstração da media. E o sistema de controle social e de poderestá enrraizado nela.� Para poder restaurar a possibilidade de resposta(ou responsabilidade) na configuração atual dos meios telecomunicativosseria necessário provocar a destruição da estruturada media existente. E isso parece ser, como Baudrillard conclui, a únicaestratégia possível, pelo menos ao nível teórico,porque tomar o poder da media ou substituir seu conteúdo por outroconteúdo é preservar o monopólio do discurso (fala).

7 - See: Kac, E., �Arte pelo telefone�, O Globo, September 15, 1987,Rio de Janeiro; �O arco-íris de Paik�, O Globo, July 10, 1988, Riode Janeiro; �Parallels between telematics and holography as art forms�,em Navigating em the Telematic Sea, Bruce Breland, ed., New Observations,76, New York, May-June 1990, p. 7; Kac, E., �Ornitorrinco: Exploring Telepresenceand Remote Sensing�, em Connectivity: Art and Interactive Telecommunications,Roy Ascott and Carl Eugene Loeffler, eds., Leonardo, Vol. 24, N.2, 1991,p. 233; Kac, E., �On the notion of art as a visual dialogue�, em Art Reseaux,Karen O'Rourke, ed., Université de Paris I, Panthéon-Sorbonne,Paris,1992, pp. 20-23.

8 - Art Com (an online magazine forum), Tim Anderson and Wendy Plesniak,eds., Number 40, Vol. 10, August 1990, issue dedicated to the Dax Group.

9 - Ascott, R., �Art and Telematics�, em Art Telecommunications, HeidiGrundmann, ed., The Western Front, Vancouver, Canada (Shakespeare Company,Vienna, Austria), 1984, pp. 25-58.

10 - O�Rourke, K., �Notes on Fax-Art�, em Navigating em the TelematicSea, Bruce Breland, ed., New Observations, 76, New York, May-June 1990,pp. 24-25.

11 - Gidney, E., �The Artist�s use of telecommunications: a review�,Leonardo, Vol. 16, N. 4, 1983, pp. 311-315.

12 - Forest, F., �Communication Esthetics, Interactive Participationand Artistic Systems of Communication and Expression�, em Designing theImmaterial Society, Design Issues special issue, Marco Diani, ed., Vol.IV, Ns. 1 & 2, University of Illinois, Chicago, pp. 97-115.

13 Robert Adrian X tratou do assunto quando observou (�Communicating,�em Art Telecommunications, Heidi Grundmann, ed., The Western Front, Vancouver,Canada (Shakespeare Company, Vienna, Austria), 1984. p. 76-80): �Ninguémna Europa oriental consegue acesso a equipamentos de fax ou acesso a sistemasremotos de computação... e a situação éainda mais severa na África e na maior parte da Ásia e AméricaLatina. Se essa partes do mundo devem ser consideradas para participaremde projetos artísticos telecomunicativos terá que ser aonível da tecnologia eletrônica ACESSÍVEL... o telefonee o rádio de ondas curtas.�

14 - Em 28 de outubro, 1991, Jaron Lanier deu uma conferênciano auditório da School of The Art Institute of Chicago. Na ocasiãotive a oportunidade de perguntar-lhe o que ele significava com a muitocitada mas raramente clarificada expressão [�post-symbolic communication�]�comunicação pós-simbólica�. Lanier explicouque uma direção que ele imaginava para a realidade virtualé a de ser controlada pelas companhias telefônicas, de formaa permitir o acesso remoto ao espaço cibernético. Nesse cenário,seria possível para pessoas em locais distantes, vestindo datasuits,o encontro no espaço cibernético. Essas pessoas poderiamexercitar o pensamento visual regularmente e comunicar-se por meios diferentesda palavra falada; elas poderiam expressar uma idéia, simplesmentetornando essa idéia visível no espaço cibernético,ou através da manipulação de seus próprioscorpos digitais (databody) ou da manipulação dos corpos digitaisde seus interlocutores [chamo de �corpo digital� o corpo humano do usuárioda realidade virtual visto por este usuário uma vez imerso no espaçocibernético]. Este tipo de comunicação, conquistadoatravés do uso ainda simbólico mas talvez mais direto dossinais (símbolos) visuais, é o que Lanier chamou �comunicaçãopós-simbólica.� Seu �Reality Built for Two�, or �RB2� (realidadeconstruída para dois), é um passo nesta direção,e podemos esperar que serviços de videofone também lhe proporcioneapoio adicional.

15 - Luciano Caruso, Manifesti Futuristi (Firenzi: Spes-Salimbeni, 1980),pp. 255-256.

16 - Pontus Hulten, org., Futurism & Futurisms (Venice and New York:Palazzo Grassi and Abberville Press, 1986), p. 546.

17 -17 Fillipo Marinetti, Il teatro futurista sintetico (dinamico-alogico-autonomo-simultaneo-visionico)a sorpresa aeroradiotelevisivo caffé concerto radiofonico (senzacritiche ma con Misurazioni) (Naples: Clet, 1941). Algumas palavras destetítulo são neologismos cunhados por Marinetti e possíveisde múltiplas interpretações. Minhas escolhas na traduçãodo título são apenas algumas das possíveis soluções.

18 - Jean Baudrillard, Simulations (New York: Semiotex(e), 1983) p 54.O meio telecomunicativo hoje oblitera a distinção entre sie o que costumávamos perceber como algo à parte, totalmentediferente e independente dele mesmo, algo que costumávamos chamarde �real�. Baudrillard chama essa situação de �hiperreal�,ou �hiperrealidade�. Essa falta da distinção entre o signo(ou forma ou meio) e o referente (ou significado ou realidade) enquantoentidade estável é ao mesmo tempo um pouco mais afastadade McLuhan e um pouco mais próxima da nova crítica literáriaepitomizada por Derrida. No que parece ser seu ensaio mais celebrado, �ThePrecession of Simulacra�, ele mais uma vez reconhece a percepçãode McLuhan de que na era eletrônica os meios não sãomais identificáveis em oposição aos seus conteúdos.Mas Baudrillard vai mais além afirmando: �Não existe maismeio no sentido literal: ele é agora intangível, difuso edifratado no real, e não se pode nem mais dizer que o últimoé distorcido por ele.�

19 - Laszlo Moholy-Nagy, The New Vision and Abstract of an Artist (NewYork: Wittenborn, 1947), p. 79.

20 - Kisztina Passuth, Moholy-Nagy (New York: Thames and Hudson, 1985),p. 33.

21 - Sybil Moholy-Nagy, Moholy-Nagy; Experiment em Totality (Massachusetts:MIT Press, 1969), p XV.

22 - Laszlo Moholy-Nagy, Painting, Photography, Film (Massachusetts:MIT Press, 1987).

23 - Moholy-Nagy [Painting, Photography, Film], pp. 38-39.

24 - Art by Telephone, disco-catálogo da exposição,Museum of Contemporary Art, Chicago, 1969.

25 - Art by Telephone, op. cit.

26 - Avital Ronell, The Telephone Book; Technology, Schizophrenia, ElectricSpeech (Lincoln: University of Nebraska Press, 1989).

27 - Ronell, op. cit., p. 9.

28 - John Brooks, �The First and Only Century of Telephone Literature�,em The Social Impact of the Telephone, Ithiel de Sola Pool, ed., (Massachusetts:MIT Press, 1977), p. 220.

29 - Quoted by Brooks, op. cit., p. 220.

30 - Robert Hopper, �Telephone Speaking and the Rediscovery of Conversation�,em Communication and the Culture of Technology, Martin J. Medhurst, AlbertoGonzalez and Tarla Rai Peterson, eds., (Pullman: Washington State University,1990), p. 221.

31- A história da civilização ocidental, a históriada nossa filosofia, é permeada pelo que Derrida denomina �metafísicada presença�. É um história do privilégio dapalavra falada que é pensada como imediata, expressão diretada consciência, como presença ou manifestaçãoda consciência para consigo mesma. Num evento comunicativo, por exemplo,o significante parece tornar-se transparente como se permitisse ao conceitose fazer presente em si mesmo (ou como aquilo que é). Derrida mostraque este raciocínio não está presente somente em Platão(somente a palavra falada pronuncia a verdade) e Aristóteles ( apalavra falada como símbolo da experiência mental), mas emDescartes (ser é pensar, ou pronunciar essa proposiçãona própria mente), Rousseau (condenação da escritacomo destruidora da presença e como a doença do discurso),Hegel (o ouvido percebendo a manifestação da atividade idealdo espírito), Husserl (consciência da presença do significadono momento da fala), Heidegger (a ambiguidade da �voz do ser� que nãoé ouvida), e virtualmente em todos os instantes do desenvolvimentoda filosofia ocidental. A lógica e as implicaçõesdesse logocentrismo/fonocentrismo não são obvias e seu funcionamentodeve ser investigado. Derrida explica que a linguagem é impregnadapor e com essas noções; portanto, em toda proposiçãoou sistema de investigação semiótica suposiçõesmetafísicas coexistem com a sua própria crítica, todasas afirmações de logocentrismo também mostram um outrolado que as contradiz. Ver Jacques Derrida, Of Grammatology (Baltimoreand London: John Hopkins University Press, 1976); também JacquesDerrida, Positions (Chicago: University of Chicago Press, 1981).

32 - O que Hopper não leva em consideração éo fato de, na sua discussão sobre intercurso linguístico,Saussure só empregar exemplos de intercurso cara a cara, eliminandointercursos telefônicos. Saussure (Course em General Linguistics(New York: McGraw-Hill, 1966, p.206): �Enquanto provincialismo faz o homemsedentário, o intercurso social o obriga `a mobilidade. As relaçõessociais trazem visitantes de outras localidades para a aldeia, deslocandouma parte da população toda vez que há uma feira ougrande festa, unindo homens de províncias diferentes no exército,etc.�

33 - Marshall McLuhan, Understanding Media (New York: McGraw-Hill, 1964)p. 18.

34 - Breland [New Observations], p.10.

35 - Veja a lista completa em Art Com, Number 40, Vol. 10, August 1990.

36 - Carlos Fadon, �Still Life/Alive�, em Connectivity: Art and InteractiveTelecommunications, Roy Ascott and Carl Eugene Loeffler, eds., Leonardo,Vol. 24, N.2, 1991, p. 235.

37 - Veja Connectivity: Art and Interactive Telecommunications, p. 233.

38 - O�Rourke, �Notes on Fax-Art�, op. cit., p. 24.

39 - Jacques Derrida, Limited Inc (Evanston, IL: Northwestern UniversityPress, 1988), p. 10.

40 - Veja um resumo dos modelos de comunicação em DenisMcQuail and Sven Windahl, Communication Models for the Study of Mass Communications(London and New York: Longman, 1981).

41 - Jacques Derrida, �Videor�, em Passages de L�Image (Barcelona: Caixade Pensions, 1991), p. 176. �Passages de L�Image� foi uma exposiçãode arte eletrônica (video, holografia, fotografia digital, etc) organizadapelo Musée National D�Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris.


Traduzido do original em inglês por Simone Osthoff.

Originalmente publicado em: Siggraph Visual Proceedings, JohnGrimes, editor; New York: ACM, 1992. Outras versões foram publicadasem alemão e húngaro.


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