Originalmente publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,Caderno B, p. 7, 24/9/85.


A arte da síntese nos holopoemas

Reynaldo Roels Jr.

No Parque Lage, a partir das 21h de hoje, a exposiçãoHolopoesia, de Eduardo Kac e Fernando Catta- Preta, oferece ao públicocarioca uma experiência inédita na cidade. São quatroholopoemas -- ou poemas holográficos -- montados em uma sala negrana Escola de Artes Visuais e resultado de dois anos de trabalho em conjunto(e muita circulação pela Via Dutra: Eduardo mora no Rio,e Fernando, em São Paulo). Artista e poeta de 23 anos, Eduardo Kacjá vinha buscando novas formas de síntese entre palavra eimagem quando, através de Fernando, psicólogo de 24 anos,conheceu a holografia. A palavra significa "mensagem completa"e designa uma técnica de reproduçao de imagens em terceiradimensão, descoberta em 1948 por Dennis Gabor, físico húngaro.Supera em sofisticação e perfeição a agoraarcaica estereoscopia. Utilizada até mesmo no cinema e em processosde impressão em larga escala, a holografia parece ser um dos recursosque, a médio prazo, tenderão a tornar-se tão correntese baratos quanto a fotografia. Apesar do alto preço do materialenvolvido, os trabalhos em exposição foram custeados pelospróprios autores.

Hoje à noite, a exposição contará com umextra: um labirinto luminoso criado por um canhão de raios laserrefletidos em jogos de espelhos, e que será retirado apósa inauguração -- é o instrumento de trabalho de Eduardo.As obras em exibição são uma incorporaçãoda linguagem poética aos processos visuais fornecidos pela holografia,letras que flutuam sobre um fundo negro (e nele intervêm), espaçosimultaneamente real (para fora da superfície do suporte) e virtual(para dentro da superfície). Em Abracadabra, a letra A recorrentena palavra grafada penetra ambos os espaços e remete ao triânguloresultante das manipulações realizadas com fins encantatóriospelos cabalísticos medievais: escrevia-se "abracadabra"sucessivas vezes, uma por cima da outra, suprimindo-se a cada repetiçãoa letra da extremidade da palavra. Ao triângulo assim formado, atribuíam-sepoderes propiciatórios. Em Holo/Olho, Eduardo brinca com a noçãoespacial do espectador, projetando no espaço real as letras rebatidas,como em uma imagem ao espelho, e jogando para o espaço virtual asimagens "corretas", indagando sobre a legitimidade dos critériosque nos levam a decidir o que está dentro e o que está fora.

Já na segunda metade do século passado, Mallarmétomou posse dos processos tipográficos e transformou definitivamentea poesia, até então um fenômeno acústico (oral,para ser recitada), passando a ser puramente visual (para ser lida e olhada).Daí em diante, as questões sobre a síntese entre palavrae imagem têm sido retomadas em vários níveis de elaboração,como, por exemplo, na poesia visual. Para Eduardo os holopoemas sãouma forma revolucionária de abordar o problema artísticoatravés da tecnologia. High tech, sim, mas não um elogioà máquina, como o Futurismo. Trata-se apenas do emprego deum meio para criar uma nova linguagem, o "início de uma longaviagem inexplicável", capaz de colocar em causa nãosomente a percepção, mas a própria experiênciahumana em seus limites. O que se torna impossível aos artistas,mesmo os mais radicais, que trabalham os meios convencionais das artesplásticas e da poesia. A própria transvanguarda, que retornouaos meios pictóricos convencionais, desiste de ser uma vanguardaou querer revolucionar o que quer que seja, adotando uma postura de conciliaçãocom seu público e com o mercado. A intenção de Eduardoé exatamente oposta, buscando produzir uma obra que escape a qualquermodismo e que seja fruto de uma pesquisa meditada sobre as possibilidadese os limites do futuro da arte que faz.


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