Originalmente publicado na revista Play, Novembro 2001, São Paulo.


Entrevista com Eduardo Kac

Fabiana de Carvalho

1. Como surgiu o convite para ser artista residente do Museu de Holografia de Nova Iorque? Como estava a carreira na época?

O convite veio do então Diretor de Educação, Scott Lloyd, que havia ouvido falar do meu trabalho antes. Na época eu estava me concentrando primariamente em Holopoesia. Logo após voltar ao Rio, eu tive uma exibição dos meus novos holopoemas. Eu também organizei uma exibição em grupo chamada "Brasil High Tech", com artistas brasileiros que trabalhavam com novas mídias. Ambas as exposições foram realizadas no Rio, em 1986.


2a. Há um grande interesse em outros paises por esse tipo de arte. Como é a repercussão/divulgação?

A repercussão é muito positiva. Eu acabo de receber duas grandes encomendas de instituições americanas. Meu trabalho Genesis está atualmente à mostra em Yokohama, no Japão, e em Madrid, com uma outra peça indo para Paris em dezembro.

2b. E por que a dificuldade em obter o mesmo reconhecimento em seu próprio país?

Eu não sei como explicar isso. Meu trabalho é reconhecido no Brasil dentro de certos círculos, mas eu gostaria de alcançar um público maior.

2c. Foi esse o motivo da sua mudança para os Estados Unidos?

Eu parti nos primeiros dias de 1989 porque para mim havia se tornado impossível trabalhar com novas mídias no nível que eu havia atingido.

3a. Quais outros artistas hoje em dia estão envolvidos com esse tipo de arte?

Existem muitos artistas trabalhando com novas mídias hoje.

3b. Quem são os maiores nomes da arte eletrônica?

Para citar alguns: Roy Ascott, Orlan, Stelarc, Char Davies, Mark Pauline, Marcel.li Antunez Roca


4. Onde estão suas obras hoje?

Muitos holopoemas estão em coleções particulares e públicas, a maioria na Europa e Estados Unidos (o MAM-RJ tem um holopoema e o Museu Nacional de Belas Artes-RJ tem outro). Algumas de minhas peças do Genesis estão em coleções particulares nos Estados Unidos.

4b. O que pode ser visto aqui no Brasil (e onde)?

Minha agente em São Paulo é Nara Roesler
<http://www.nararoesler.com.br/>. Ela tem obras minhas e pode disponibilizá-las. Seu e-mail é nararoesler@nararoesler.com.br e seu endereço é: Galeria Nara Roesler - Avenida Europa 655 - 01449-001 São Paulo SP - fone/fax 55(11)3063-2344

5a. Como começou o interesse e o uso da eletrônica no seu trabalho?

Quase todos os artistas utilizam ciência e tecnologia de um modo ou
de outro. A fabricação industrial de lápis, iniciada no final do
século dezoito, foi um avanço tecnológico significativo. Tecnologia é
também empregada na fabricação de pincéis, telas e tintas: a paleta
impressionista, por exemplo, não teria sido possível sem os avanços
da Química. Uma das grandes diferenças entre a tecnologia da pintura
e as tecnologias que emprego em meu trabalho (holografia,
computadores, robótica, engenharia genética, internet, etc) é que as
velhas tecnologias são agora estáveis e foram assimiladas
socialmente, enquanto que as novas tecnologias permanecem num estado
constante de mudança e não são ainda familiares para grande parte da
população. As tecnologias contemporâneas manifestam um impacto
profundo em nossas vidas, enquanto que, comparativamente, a pintura
não mais produz por si nenhuma conseqüência social significativa.
Considero que para questionar e criticar diversos aspectos da
experiência contemporânea devo fazê-lo de dentro da paisagem
mediática. Vejo a arte como mais próxima do espírito inquiridor da
filosofia, e esforço-me em modular a tecnologia para explorar
alternativas aos contextos sociais limitados de hoje. Utilizo a
tecnologia para desenvolver estratégias que privilegiem experiências
democráticas, interações colaborativas e a liberdade de escolha.
Estamos testemunhando uma mudança de paradigma nas artes, em que uma
abordagem auto-centrada é substituída por situações dialógicas. A
medida que as pessoas exploram as possibilidades, também as expandem,
e neste processo são responsáveis por suas próprias experiências.
Combinei as noções de evento, performance e instalação em algo novo,
incorporando outros elementos, como a telerobótica. É por isso que
utilizo palavras como "telepresença", "biotelemática", "arte
transgênica". Novos conceitos exigem um novo vocabulário.


5b. E a Internet, qual a importância dela na arte daqui pra frente?

Em um futuro (próximo), com banda larga aperfeiçoada e computadores mais velozes, a Net se tornará um espaço diferente. Haverá uma forte pressão para ajustar a Net em transmissões padrões, mas pelo menos algumas áreas da Net vão resistir e continuar a promover comunicação interpessoal e sociabilidade. Isso vai criar tensão. Será mais difícil para artistas individuais estabelecer suas presenças, mas mais pessoas ao redor do mundo estarão online. A Internet sem cabo abrirá novas possibilidades. A arte da Internet vai continuar a desenvolver novas estratégias para sobreviver e evoluir nesse novo ambiente.

6. É possível prever se o interesse pela arte eletrônica vai obscurecer as formas convencionais/tradicionais?

Ambas vão coexistir.

7. Em que ponto esta o projeto GFP-K9?

Em suspenso. Todos os meus esforços estão concentrados em libertar Alba.

8a. Alba já foi pra casa?

Infelizmente ainda não.

8b. Como tem sido as reações, a repercussão na mídia?

Imensa. Por favor veja: http://www.ekac.org/transartbiblio.html

9. Como a controvérsia e a reação da mídia fazem parte do seu trabalho?

Minha obra transgênica "GFP Bunny" compreende a criação de um coelho verde fluorescente, o diálogo público gerado pelo projeto e a integração social do coelho.

Ao considerarmos os perigos da biotecnologia, não podemos ignorar o fato de que uma completa proibição de todas as formas de pesquisa genética atrapalharia o desenvolvimento de curas muito necessárias para várias doenças devastadoras que agora devastam formas humanas ou não de vida. O problema é ainda mais complexo. Caso essas terapias sejam desenvolvidas com sucesso, que setores da sociedade terão acesso a eles? Claramente, a questão da genética não é pura e simplesmente um assunto científico, mas está diretamente ligado a diretrizes políticas e econômicas. Precisamente por esta razão, o medo criado pelo perigo de abusos reais e potenciais desta tecnologia deve ser canalizado produtivamente pela sociedade. Ao invés de adotar uma rejeição cega à tecnologia, que indubitavelmente já é uma parte do novo bioambiente, cidadãos de sociedades abertas devem fazer um esforço para estudar as múltiplas visões do assunto, aprender sobre o histórico que envolve o tema, entender o vocabulário e as principais experiências de pesquisa a caminho, desenvolver visões alternativas baseadas em suas próprias idéias, debater o assunto, e chegar às suas próprias conclusões em uma tentativa de gerar entendimento mútuo. Porque situações como esta parecem uma tarefa atemorizante, conseqüências drásticas podem ser geradas pelo hype, oposição absoluta ou indiferença.

10. Seu trabalho lida com ciência, arte e comunicação. Há uma convergência destas mídias?

Networking é tanto uma forma técnica de ligar entidades dispersas quanto uma ferramenta intelectual para perceber a essencial conectividade entre tudo que existe. Em meu trabalho eu tenho perseguido ambas as formas de "networking". Meu objetivo não é eliminar a "diferença", o que é impossível, mas criar maneiras complexas de examinar a interface entre semelhança e diferença. Em outras palavras, nos permitir ver que apesar da diferença, as semelhanças são muito mais fortes do que nós alguma vez pensamos. Telerobótica e biologia molecular são algumas das ferramentas que eu tenho empregado para este fim.

11a. Ciência é arte?

Não

11b. Existe uma mentalidade que a ciência tende a ser necessariamente utilitarista e você propõe uma espécie de abstração, a ciência pela ciência (per se). Fale sobre isso.

A arte também pode ser de grande valor social. Uma vez que o domínio da arte é simbólico mesmo quando intervindo diretamente em um contexto dado, a arte contribui para revelar as implicações culturais da revolução encoberta e oferecer diferentes maneiras de pensar sobre e com biotecnologia. A arte transgênica é um modo de inscrição genética que está ao mesmo tempo dentro e fora do domínio operacional da biologia molecular, negociando o terreno entre a ciência e a cultura.
A arte transgênica pode ajudar a ciência a reconhecer o papel dos temas da relação e comunicação no desenvolvimento de organismos. Ela também pode ajudar a cultura ao desmascarar a crença popular de que o DNA é a "molécula mestre" através de uma ênfase em todo o organismo e no ambiente (o contexto). Finalmente, a arte transgênica pode contribuir no campo da estética ao abrir a nova dimensão simbólica e pragmática da arte como a criação literal e a responsabilidade pela vida.

12. Você é um artista praticamente desconhecido no Brasil. Qual a sua relação com o país?


Sem dúvida, depois de viver por mais de 20 anos no Brasil, eu
certamente estou ligado a aspectos da cultura brasileira. Entretanto,
também tenho outras raízes (diferentes das brasileiras) e muitas
outras influências culturais que talvez tenha adotado por obra do
acaso. Crescer no Rio de Janeiro foi uma experiência particularmente
interessante e enriquecedora, apesar da ditadura militar.
Ultimamente, entretanto, não estou interessado em preservar noções de
fronteiras nacionais ou em trancar-me numa única posição enquanto
sujeito. Não tenho desejo de negociar ações de identidade na bolsa de
valores global das políticas de representação. Meu trabalho oferece
uma intervenção direta em contextos sociais, sempre com um
entendimento de que as posições de sujeito são fluidas e sua
construção fixa um lugar de poder. Tenho trabalhado amplamente com
meios de telecomunicação para interligar distâncias geográficas e
culturais e combater noções rígidas do eu, enfatizando a interação
dialógica e a identidade como um espaço "entre", de articulação mútua.

13. Qual seu próximo projeto?

Por favor veja: http://www.ekac.org/8thday.html


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