Revista V, número 14, Setembro/Outubro 2005, São Paulo, p. 34-35.


Foto: Kiko Ferrite

FILOSOFIA SELVAGEM

 Ronaldo Bressane

Costuma-se dizer que um artista é visionário quando sua obra transcende o tempo presente. Às vezes esse tipo de artista é tirado de maluco ou então de ininteligível. Não é o caso de Eduardo Kac, carioca de 43 anos. Suas obras, mesmo que intelectuais, são absorvidas à velocidade da luz, e não de um papo-cabeça. É o caso da arte transgênica. Em 2000, Kac “deu à luz” Alba — uma coelha geneticamente modificada. O bichinho virou fato planetário por ter seu código genético alterado com a introdução de um gene artificial, responsável pela proteína GFP (Green Fluorescent Protein, proteína verde fluorescente).

Com a obra, intitulada “Coelho GFP”, Kac (pronuncia-se Kátz) prossegue na investigação da arte transgênica — baseada no uso da engenharia genética para transferir genes naturais ou sintéticos a um organismo e criar animais fantásticos. “Isso deve ser feito com grande cuidado e sobretudo respeito e amor pela vida”, afirma o artista, em recente vinda ao Brasil durante um workshop em São Paulo — há 15 anos Kac mora em Chicago, onde é professor do Instituto de Arte de Chicago. Textos seus foram traduzidos em mais de dez línguas e ele vive viajando pelo mundo para mostrar suas criações únicas.

Em outubro, Paris conhecerá “Movimento 36”, instalação que se refere ao xeque-mate dado pelo computador Deep Blue contra o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov. Em um tabuleiro, exatamente na casa em que o computador fez o movimento 36, posiciona-se uma planta cujo genoma — criado por Kac a partir de células de tomate e tabaco — incorpora a transcrição, em ASCII (código de informática que representa caracteres romanos em linguagem binária), da expressão “Penso, logo existo”.

Na mesma chave Kac criou “Gênesis”, obra de arte transgênica que usa um gene sintetizado a partir de uma frase tirada do Gênesis e traduzida em código Morse — essa sentença foi retraduzida na estrutura de DNA, dando vida a um gene artificial, que foi injetado em uma bactéria. A frase original, do próprio livro bíblico, é “Que o homem domine os peixes do mar e o vôo no ar e sobre todos os seres que vivem na Terra”. Pela rede, os espectadores podem modificar a frase, controlando a iluminação ultravioleta do espaço e assim causando mutações no código genético da bactéria.

Viver na fronteira entre códigos é freqüente para Kac. Antes de se mudar para a Gringolândia, onde vive com mulher e filha, Kac criou três tipos de arte: a poesia pornô, a poesia holográfica e a telepresença — todas devidamente documentadas em seu site, www.ekac.org. Não é nada para pendurar na parede da sala, combinando com os sofás. “Minhas idéias são como um ambiente para a sua mente. É como nadar no mar: você explora a experiência de seu corpo submerso em um outro meio e fica com seu pensamento à deriva”,  aproxima o artista, sempre transitando nos limites entre arte, ciência e filosofia. Esta, aliás, é sua definição para arte: “filosofia em estado selvagem”.


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