Originally published in Ler e Escrever, the Literary Supplement of the newspaper Diário de Lisboa, Lisbon, 11/6/1987, p. 5; republished in the book Poética dos Meios e Arte High Tech, Vega, Lisbon, 1988, pp. 68-72, and again in the catalogue of Eduardo Kac’s solo exhibition Holopoetry 1983 • 1990, Museum of Holography, 1990, New York, pp. 6-7.


Holopoesia

Por E.M. de Melo e Castro


Nesta série de comunicações sobre tecnologia de ponta (high-tech) e a criação poética (porque pesquisadora e investigadora das possibilidades dessa tecnologia criada por nós - homens) já me referi a videopoesia e à infopoesia assim como aos seus estreitos pontos de contacto, quanto a uma noção de tempo-visual desenvolvido num plano de produção e percepção de imagens.

Refiro-me hoje a imagens que no espaço tridimensional se criam e se percebem e na animação e intercepção das dimensões de que se constituem: as três dimensões espaciais, a sua intercepção temporal e a sua fragmentação fractal. Refiro-me à holopoesia, tal como hoje ela é proposta e definida pelo brasileiro Eduardo Kac e pelo norte-americano Richard Kostelanetz. Citando Eduardo Kac:

"Com o objectivo de desenvolver uma nova poética e ao mesmo tempo criar um novo campo para a arte holográfica, em 1983 concebi um projecto que se situa entre a poesia e a arte visual. Este projecto, que chamei de poesia holográfica ou holopoesia, vem há 4 anos buscando um diálogo com outras disciplinas, com a psicologia da percepção, a mecânica quântica, a filosofia holística e a geometria fractal, na tentativa de fazer do continuum palavra-imagem um valor holográfico novo que se define precisamente no fluxo entre dois códigos: o verbal e o visual. A interface da arte com outros campos do saber, como a física e a matemática , trouxe uma importante colaboração para o vocabulário pictórico e poético nos últimos 100 anos. Já no século 21, acredito, esta interface será fundamental.

Criar textos estruturados luminosamente no espaço, para serem “lidos” com os dois olhos, cada um, enviando ao cérebro informações diferentes de acordo com as posições relativas do observador, é o ponto de partida de uma pesquisa que tacteia seu próprio campo de expansão. Diante de um holopoema, o cérebro está constantemente mudando o modo de “montar” mentalmente o texto, com base nos inputs recebidos durante as diferentes fixacões dos olhos sobre as letras no espaço. Estamos diante de uma nova maneira de pensar o poema, em que as palavras assumem configurações oscilatórias em tempos e espaços variáveis e pré-programados."

Assim proposta claramente a problemática da holopoesia por um dos seus criadores, Eduardo Kac, ela logo se coloca como a ponta mais avançada da invenção poética neste fim de século, como também aquela que mais fascínio exerce e mais problemas novos levanta, longe, longíssimo já das poéticas sentimentais do ainda vigente romantismo novecentista, das querelas pós-modernistas ou proto-humanistas.

É, de facto, na interface com outros ramos do saber humano que o novo humanismo se vem definindo e as novas oportunidades se abrem para a criatividade e sobrevivência do homem no próximo século.

Eduardo Kac, Rio de Janeiro. Tem laboratório próprio de holografia. Primeiro holopoema com a colaboração técnica de Fernando Catta-Preta: “Holo-olho” em 1983. O princípio geral da holografia de que um fragmento contém a informação do todo é utilizado como sintaxe do poema. Assim encontra-se uma combinatória entre holo e olho que só é possível encontrar espacialmente, quer em profundidade quer em paralaxe. Ao mesmo tempo este princípio é traduzido numa estrutura verbal que permite a reclamação de um novo modo de olhar, procurando incessantemente essa combinatória em vários níveis espaciais. Para dramatizar essa procura escolheu-se uma diferenciação de tamanho e de cor dos caracteres gráficos usados. Ao mesmo tempo fizeram-se vários cortes no filme holográfico, remontando os fragmentos e espelhando sempre a relação recíproca com as duas palavras no espaço. Deste modo cada fragmento do holopoema Holo-olho contém mais informação do que conteria esse mesmo fragmento num suporte meramente plano.

Eduardo Kac apresenta este holopoema no Salão Nacional de Artes Plásticas no MAM do Rio, em 1984, o que constitui a primeira apresentação de holopoesia no Brasil. No entanto, já trabalhos holográficos de demonstração técnica tinham sido apresentados em São Paulo, em 1980. Em 1985 e ainda com Catta-Preta, realiza a primeira exposição de holopoesia no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, apresentando 4 peças. Em 1986 é artista residente do Museu de Holografia de Nova Iorque, onde realiza três novos holopoemas. Também em 1986 realiza a exposição Holopoesia 2 na Galeria Espaço Al.ternativo da Funarte, Rio de Janeiro. Em 1987 apresenta holopoesia no 1º Festival de Poesia Viva em Portugal e fez uma apresentação particular de três holopoemas na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Com Ormeu Botelho planifica a criação de um holopoema digital, no qual a informação é sintetizada por um computador usando um software fractal, dispensando assim o registro de imagens ditas reais. É actualmente pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, com o projecto “A holografia impressa como novo meio para a arte” que permite a multiplicação do holopoema, abolindo a noção de original único existindo, sim, N originais.

Em Portugal, a Fundação Gulbenkian concedeu há tempos, a artistas portugueses, a possibilidade de estudarem a técnica holográfica. Mas enquanto não houver entre nós um ou vários laboratórios holográficos, abertos à criatividade, a holografia não passará de uma mera curiosidade. O que me parece injusto para a potencialidade dos experimentadores portugueses, impedindo-os de se colocarem na frente global da pesquisa poética, já com projecções no século XXI.


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