Jornal do Brasil [10/JUN/2002]. p. 7.


Arte na era dos biobots

Holopoesia e telepresença são alguns conceitos criados por Eduardo Kac

Fernanda Nidecker


Fora do Brasil desde 1989, Eduardo Kac é professor da The School of the Art Institute of Chicago (EUA) e um dos principais nomes brasileiros em arte digital. Kac iniciou sua carreira no país em 1982, com performances ao ar livre em Copacabana. Um ano depois, concebeu a holopoesia, linguagem verbal/visual que explora as possibilidades da palavra/imagem no espaço-tempo holográfico. Outro conceito criado por Kac, e desenvolvido em parceria com o americano Ed Bennet, foi a telepresença.

Definida pelo artista como ''uma categoria da arte'', a telepresença é usada na construção de robôs que podem ser controlados a milhares de quilômetros de distância. Agora, Kac está na era dos biobots, em que o corpo e a máquina dialogam. Esse diálogo, no entanto, não tange a esfera das palavras e é a ponte de transição para uma cultura digital. Kac define seu trabalho como uma ''reintrodução de coisas em contato''. Em boa parte de suas demonstrações, o público abandona a condição de simples espectador em troca da experiência.


O que é a holopoesia, criada por você em 1983?

A proposta da holografia é criar uma nova sintaxe que não seja influenciada pelas poéticas visuais do século XX, baseadas na visualidade da palavra na página. Ficou claro para mim que, na era da eletrônica, a nova sintaxe não ia emergir da página impressa. Só não sabia de onde emergiria, porque eu achava que o uso bidimensional da tela do computador era muito semelhante ao da página. Então, surgiu a idéia de usar holografia para criar um poema que pudesse explorar a noção de descontinuidade ao invés da simultaneidade da palavra impressa. Você pode projetar imagens de maneira que haja um intervalo entre uma e outra. Outro aspecto interessante é a possibilidade de explorar os pontos de vista. Você fecha um olho e abre outro e tem visões diferentes de um mesmo objeto. Criei o que chamei de leitura binocular. Por exemplo, você pode ter uma situação em que seu olho esquerdo leia LUA ao mesmo tempo que o seu olho direito lê FACA. Estas são características que distinguem a holopoesia das poéticas da página impressa.

Como tem dado andamento às criações da holopoesia e da telepresença?

O projeto da holopoesia começou em 1983 e foi concluído em 1993. Em 10 anos produzi 23 holopoemas. O trabalho de telepresença teve início em 1986. Hoje, essa arte já é uma linguagem incorporada ao fazer artístico, freqüentemente usada por vários artistas ao redor do mundo.

Em 1997, você teve problemas no Brasil para expor o trabalho Time Capsule (Cápsula do Tempo), que envolvia ''tecnologias de vigilância intracorporal''. O projeto foi vetado pela instituição organizadora por implicar risco de vida para o artista, incluindo a possibilidade de um choque anafilático. Depois disso, como foi a repercussão do Time Capsule?

A obra foi vetada por uma instituição, mas imediatamente abraçada por outra, onde foi realizada com sucesso, com transmissão ao vivo pela TV e pela internet. E a repercussão foi grande, gerando discussão na mídia, nas ruas, no mundo da arte, bem como em centros de pesquisa internacionais, como MIT e Xerox Park. Em nova versão, a obra foi recentemente exposta no New York Center for Media Arts, em Nova York.

Em que medida os recursos oferecidos pelo computador ampliam as possibilidades da criatividade para a arte tecnológica ?

Quase todos os artistas utilizam ciência e tecnologia, de um modo ou de outro. Uma das grandes diferenças entre a tecnologia da pintura e as tecnologias que emprego é que as velhas tecnologias são agora estáveis e foram assimiladas socialmente, enquanto as novas permanecem num estado constante de mudança e não são ainda familiares para grande parte da população. Desenvolvi novos caminhos a partir do acasalamento da rede com a telerobótica (a arte da telepresença), da mescla de processos biológicos e telemáticos (a arte biotelemática) e do uso da engenharia genética como meio de criação (a arte transgênica). Por isso, utilizo palavras como telepresença, biotelemática, arte transgênica. Novos conceitos exigem um novo vocabulário.

As formas tradicionais de arte podem se encaixar no mundo cibernético?

Arte com meios tradicionais continuará sempre a ser feita. A pergunta é: até que ponto este tipo de arte pode ser relevante para uma sociedade informatizada e pós-biológica?

O acesso de milhares de pessoas ao computador pode democratizar a arte?

Não há duvida de que o artista que trabalha com internet e outros meios de comunicação pode atingir uma audiência (e um público participante) global, para além do alcance local de sua cidade ou país. Isto é um fenômeno recente, que evolui com a popularização da internet. Mas, dizer que a arte eletrônica democratiza e universaliza a arte seria um exagero. O que pode contribuir para a democratização é acesso à educação e melhor distribuição de renda.


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