Concinnitas - Revista do Instituto de Artes da Uerj, n. 4, ano 4, Mar 2003, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.



Dossiê Eduardo Kac
Eduardo Kac Dossier


A revista Concinnitas publica neste número um dossiê sobre Eduardo Kac, artista brasileiro que mora em Chicago, e cujo trabalho é um dos mais fascinantes na busca da relação entre arte e tecnologia. Eduardo leva sua proposta a um tal nível de hibridismo e contaminação que passa, nesse processo, a determinar novos problemas para a arte.

Os artigos aqui apresentados foram selecionados pelo próprio artista e são representativos não só da repercussão internacional de seu trabalho, mas também das tentativas de elucidação das questões que este alavanca, seja na pergunta sobre a arte, seja no sentido mais polêmico, que envolve - pela relação com a biotecnologia - a ética.


A Arte Transgênica de Eduardo Kac
Frank Popper
Escreve sobre arte contemporânea há quase trinta anos. Reside e trabalha em Paris, França e tem organizado várias exibições de arte e tecnologia pelo mundo.

Eduardo Kac é um artista cujos trabalhos lidam com questões que vão desde a Mitopoética de experiências online ao impacto cultural da biotecnologia, das mudanças da condição da memória na era digital à agência coletiva distribuída, da noção problemática do “exótico” à criação da vida e evolução.
Desde 1994, Kac tem expandido a arte telemática para um domínio biológico, criando, assim, uma forma de arte que chamou de Biotelemática. Em 1997, ele propôs o termo “biorobótica” no contexto da obra “A-Positivo”. [...]

A coelhinha e a bioarte
Giselle Beiguelman
Professora do curso de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Desde 1998 tem um estúdio de criação digital (desvirtual - www.desvirtual.com). É editora da seção “Novo Mundo”, de Trópico.

“Se se examina de perto o conceito de clonagem, vê-se que ele sempre existiu, que isso se produziu o tempo todo na reprodução em geral. De uma certa maneira, na família, na língua, na nação, na cultura e no ensino, na tradição, o que se busca é reproduzir, criando álibis para isso.” Jacques Derrida, em “De Quoi Demain...” (com Elisabeth Roudinesco, Ed. Fayard/Galilée, 2001)

Eduardo Kac discute ética e afeto no mundo dos seres criados em laboratório.
Uma das páginas mais desconcertantes da filosofia contemporânea foi escrita por Michel Foucault. Dizia que “é um reconforto e um profundo alívio pensar que o homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra do nosso saber, e que desaparecerá, assim que se encontre uma nova forma”. [...]

Eduardo Kac: Da Metáfora ao Motivo
David Hunt
Escritor de Nova York que publica regularmente na Flash Art, frieze, and art/text.

Eduardo Kac desconfia das metáforas. O genoma como um livro? Vinte e três capítulos refletindo os vinte e três cromossomos? Genes como fios de narrativa entrelaçados dentro de cada um destes capítulos? Para Kac, a noção de que podemos relaxar em uma tarde ociosa folheando um documento que espelha a complexidade do genoma humano, faz tanto sentido quanto descrever as belas simetrias entre os próprios genes como uma espécie de máquina de código gloriosa e auto-organizada. É verdade que, nos dias de hoje, para qualquer descrição popular da dupla hélice como uma receita, projeto, ou manual de instrução, obteremos uma descrição da replicação do DNA igualmente vaga (embora mais elegante) como uma máquina de fotocópia envenenada - um computador consciente, miraculosamente capaz de ler seus próprios arquivos. [...]

Um pequeno salto para Alba, um grande salto para a humanidade
Ulli Allmendinger
Escreve sobre arte para revistas tais como New York Arts Magazine e ARTnews.

Alba é uma coelhinha Albina graciosa. Tem pelo macio, adora mastigar cenouras e pula como qualquer outro membro de sua espécie. Mas quando iluminada com uma luz azul (excitação máxima à 488nm), Alba adquire uma aparência de outro mundo, todo o seu corpo peludo, seus olhos e até mesmo o seu bigode – emitem um brilho fluorescente verde.
Alba é a “obra” de um artista brasileiro Eduardo Kac. Desde 1999, quando Kac encomendou a coelhinha “transgênica” no laboratório francês – onde os cientistas injetavam, dentro do ovo de um coelho albino, proteína fluorescente verde (PFV) de uma água-viva do Oceano Pacífico – ele atraiu a raiva dos cientistas, dos éticos e dos defensores dos direitos dos animais. [...]

As formas de vida
Pier Luigi Capucci
Ensina teoria e técnicas das novas mídias na Universidade de Roma “La Sapienza” e é redator da Domus.

Na França, em fevereiro deste ano, graças ao trabalho teórico de Eduardo Kac, artista brasileiro internacionalmente conhecido e que trabalha com tecnologias, e a participação de alguns cientistas, nasceu Alba, uma coelha albina. Alba, apesar da aparência normal, é uma coelha muito especial: quando é exposta a uma determinada luz resplandece em verde, tornando-se fluorescente. Alba, cujo nome enquanto obra de arte é GFP Bunny, foi criada artificialmente, utilizando uma mutação sintética do gen GFP da fluorescência da medusa Aquerea Victoria e é um dos primeiros exemplos de arte transgênica: a criação, por meio da genética, de um ser vivo orgânico complexo, artificial, para fins artísticos. [...]

Insurreição
Gerfried Stocker
Artista, e desde 1995, Diretor Artístico do Festival Ars Electronica e Diretor Geral do Ars Electronica Center.

Eduardo Kac pode ser descrito como um representante prototípico da nova arte, que emergiu de uma relação direta com a revolução digital e com as tecnologias e teorias da informação, nas quais baseia-se.
Como pesquisador, está sempre em busca novas ferramentas e métodos, investigando a fundo os territórios técnico-científicos em busca de novas formas de expressão para seus projetos artísticos e da expansão de seu repertório de material artístico. Atualmente, depois da Holografia, da Telerobótica e da Internet, a biologia molecular é o novo campo das Ciências Naturais onde Eduardo Kac tem desenvolvido seu trabalho. [...]

Criando a Coelhinha Colorida (GFP Bunny)
Blake Eskin
Escreve sobre arte para publicações como ARTnews e The New York Times.
Traduzido por Patícia Canetti para o Canal Contemporâneo.

Com proteínas fluorescentes e bactérias manipuladas, Eduardo Kac usa as ferramentas da ciência a serviço da arte transgênica

Quando Eduardo Kac propôs o GFP K-9 - um trabalho de arte envolvendo um cão modificado por um gene de água-viva que o faria brilhar na luz ultravioleta - para o festival Ars Electronica, em Linz, na Áustria, o público, estupefato, fez silêncio. Não importa que o genoma do cachorro ainda não tenha sido mapeado e que seu projeto possa levar décadas para se realizar, ou que os cientistas já tenham criado em laboratório ratos com proteína fluorescente verde, ou que o cachorro em questão não fosse parecer diferente dos outros na luz natural. O plano para alterar o código genético dos animais fez Kac, com seus cabelos escuros e encaracolados, usando um simpático par de óculos coloridos, parecer um intelectual herdeiro de Dr. Frankenstein . [...]

Coelhinha PFV
Carol Becker
Reitora da Escola do Instituto de Arte de Chicago, autora e editora de vários livros.

Quando foi provado pela primeira vez que Dolly, a ovelha clonada, tinha na composição genética a idade de sua anfitriã, isto ameaçou acabar com o fascínio pela clonagem como um método viável de reprodução (Porque um membro de qualquer espécie desejaria iniciar a vida em idade já avançada?). Mas em Abril de 2000, quando cientistas do Advanced Cell Technologies em Worcester, Massachusetts, anunciaram que suas vacas clonadas “possuiam células com relógios acertados com os de recém-nascidos”, foi uma revelação.1 Pareceria que, finalmente, os seres humanos tinham encontrado a fonte da juventude. Agora, capaz de replicar outras espécies (e algum dia nós mesmos) ad infinitum, poderiam(os) permanecer jovens para sempre. [...]


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